Capítulo 1

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6 anos depois...

2,4,6,8... Contei em pensamento. Meus dedos já estavam avermelhados, outros quase sangrando, mas eu não conseguia parar de morder.

Estava encarando o aquário da grande sala, observando o peixe amarelado comer. Pensava em joga-lo rio abaixo, quando a diretora de cabelos vermelhos - quem eu sempre esquecia o nome, mesmo que me esforçasse a lembrar - entrou na sala. E como, como eu odiava aquela verruga em seu nariz empinado, seus olhos verdes, e aquela carranca que me encarava com indiferença.

A diretora se sentou na grande mesa marrom escura e concertou a plaquinha prateada com o nome da escola. Pegou pequenos adesivos brancos e me entregou. Em seguida, olhou para mim e revirou os olhos.

- De novo? - Ela perguntou, colocando o polegar no queixo, sinal de que estava nervosa.

- Dessa vez, a culpa não foi minha Senhora. - Peguei os adesivos e os coloquei em meus dedos. Mesmo assim, continuei a morde-los.

Ela se levantou, e saiu da sala. Depois de 2 minutos voltou e jogou em meu colo uma folha de papel amassada e molhada. Eu olhei para a folha. Só não abri porque sabia o que estava desenhado nela.

- Você sabia que é proibido tudo que seja relacionado as outras Divisões não é mesmo, Srta?

Desamassei o papel, e admirei por um instante o desenho que havia nele. Era um anjo, um peregrino e um demônio. Desenhei-os de um jeito em que ficassem perto um do outro. Uma risca dividia a mão de cada um, fazendo com que a ideia de serem divididos pelas divisões transparecessem.

- O que estava pensando? Em uma união das divisões? - Ela perguntou, com um tom de voz bravo.

- Eu posso explicar... - Falei amassando a folha, e então comecei a falar.

Acontece que o dia já havia começado bem ruim. Entrei na sala atrasada, no meio de uma das apresentações de trabalho que Srta. Marveline pedira semanas atrás.
Todos me olhavam enquanto eu corria para o meu lugar de costume - última carteira, última fileira. Sorte que eu era a última a apresentar também.
A aula passou rápido. Quando me dei conta, a professora já me chamava impaciente. Peguei meu caderno, e andei para a frente da sala.
- Pode começar - Ela falou e foi o que fiz.
- Como tema do trabalho é livre, escolhi falar sobre O bloco negro.
Todos ficaram em silêncio, e pelo canto do olho, pude ver que a professora me olhava tensa.
Senti o braço tremer e meu rosto corou. Sempre tive vergonha de me comunicar com as pessoas, e aquela vez não fora diferente.

Abri o caderno, na primeira página e comecei a ler.

- Há muito tempo, logo depois da grande guerra, os Planos se juntaram e fizeram um acordo de paz. Criaram o limite das divisões, e assim fora a muitos anos.

Parei e olhei a expressão das pessoas.

Bryan - um garoto ruivo, que sempre usava o uniforme de beisebol - que sentava na carteira ao lado da minha, me encarava feio.

Uma vontade de sair correndo gritava dentro de mim, mas fiquei ali e o encarei de volta. Depois de um tempo, ele pigarreou, e finalmente falou:

- Já sabemos dessa baboseira.

- Bryan, não começa. - Sra. Marveline disse, o que quase me fez sorrir. Mas, como mamãe dizia, "Nunca devemos nos mostrar. Isso chama a atenção, e não queremos isso".

Marveline fez um sinal com a mão para mim. Sendo assim, eu continuei.

- Porém, um certo dia, um anjo mulher caiu e perdeu todos os seus poderes, ganhando os de um demônio no lugar. Logo, se apaixonou por um peregrino guerreiro, e teve relações com ele. - Pare. Repire. Continue. - Os dois apaixonados fugiram juntos e tiveram um filho em segredo. Essa criança cresceu, nomeada como Dérick. Ele se tornou o peregrino mais forte da vila, mais tarde, se tornando um vasto guerreiro. Ninguém iria imaginar que suas intenções eram outras. Ele montava secretamente um pequeno exército híbrido para começar uma nova guerra, e desta vez nenhuma divisão seria pária para eles.
Um dia, os híbridos se rebelaram, e as divisões criaram uma nova, prevendo que muitos inocentes morreriam. Essa nova divisão foi esquecida. Quando ela se rebelou novamente, a guerra começou e deram o nome de Bloco Negro, pois muitas pessoas morreram. No final, conseguiram destruir os híbridos e venceram a guerra. Mas, será mesmo que acabou?

Terminei e ninguém aplaudiu.

- Qual sua opinião sobre isso, Sarah? - Marvelineu perguntara, parecendo estar interessada.

- Ninguém quer saber! Ela é estranha. - Algum aluno gritou ao fundo, e então começaram-se as risadas.

- Bom... - Começei, totalmente vermelha e com ânsia de vômito. - Eu acho que os híbridos estão por ai, só não querem ser descobertos.

***

Mais tarde, passei, praticamente o intervalo inteiro trancada dentro do banheiro dos professores. Motivo? Bem, as alunas do terceiro afundaram minha cabeça na privada, e foram embora. Então, resolvi ficar sozinha lá. Ninguém liga pra gente estranha, pelo simples fato de gostarem de ficar sozinhos.

Vi que minhas coisas estavam espalhadas pelo chão, e peguei uma por uma, até que todas estivessem dentro da bolsa. Logo, peguei o mesmo caderno que usara no trabalho, e em uma folha aleatória produzi rabiscos claros, outros escuros, até que enfim terminei o desenho.

"E se todos pudéssemos escolher entre as divisões?", pensei. As vezes tenho devaneios confusos como aquele. Pensamentos que me levam a pensar se um dia poderemos voltar a ser a civilização de antes. Ou talvez, se púdessemos ficar todos em um só lugar, algo ímpossivel hoje em dia.

O desenho não estava terminado. Eu ia fazer novos riscos, quando ouvi risos abafados das garotas que colocaram minha cabeça dentro do vaso, e rapidamente o amassei. Em seguida, joguei o papel dentro do vaso, mas quando ia apertar o botão da descarga, uma delas puxaram meu cabelo, fazendo-me cair ao chão. Depois, pegaram o papel.

- Olhem! - A garota loira gritava para as amigas, que sorriam maléficamente. - A maldita sempre conspira contra nossa divisão. O que é isso Carrie?

Sim, me chamavam de Carrie, porque me achavam estranha.

- Me devolve! - Agarrei a perna da garota, e ela me chutou.

- Não encosta em mim, maldita! - Ela falou e saiu correndo até a sala da diretora.

***

Ela me olhava com olhares desconfiados.

- Foi isso. - Falei e dei de ombros, como sempre.

Ficamos em silêncio por muitos minutos. Eu me sentia aliviada por conversar com alguém, mesmo que fosse a diretora.

A diretora estava a ponto de dizer alguma coisa, quando a porta abriu atrás de mim. A pessoa entrou e parou ao meu lado, colocou suas mãos quentes em meu ombro e eu a olhei.

- Mamãe? O que faz aqui? - Minha voz quase não saia.

Mamãe estava de pé de frente a mim. Eu pude ver seu olhar bravo me fuzilando.

A chave mestiça - Versão AntigaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora