||Dois

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Voltando com essa história, capítulo novo todos os sábados.

Povoado de São Pedro

O coronel Augusto Antunes era um homem na casa dos 30 anos. Elegante e garboso, mas famoso por sua mão de ferro e frieza. Os escravos o chamavam de coisa ruim, o próprio demônio em pessoa.
-Vosmecê não devia estar cuidando de vossa esposa coronelzinho?
A voz suave da mulher de lábios vermelhos atravessou o quarto.
Deitado na cama o homem abriu um sorriso cínico.
- Aquela maldita balofa...- retorquiu, a aversão impressa em cada palavra.-  Não sabe o desgosto que tenho em dividir a cama com ela.
A balofa, como costumava dizer, era a filha única do falecido Coronel Amaral. Para ele uma mulher sem atrativo algum que nada mais tinha de valioso a não ser o dote, a grande fortuna que herdara do pai. E que por ventura, agora lhe pertencia.
- Entonces é por isso que Vosmecê está aqui?
A mulher deslizou para a cama sensualmente, os cabelos macios cobrindo parte do corpo semi nu.
- A pobre sinhá não sabe lhe satisfazer os desejos...
Batidas na porta interromperam os beijos tórridos trocados pelos dois.
-Mas que diabos!-exclamou o coronel afastando a mulher.
-O assunto é sério patrão.
A voz do homem lá fora era cheia de nervosismo. Esperou alguns instantes até que a porta se abriu e o patrão apareceu a soleira abotoando a camisa branca.
-Espero que seja, oque Vosmecê faz aqui a esta hora?
-Eu não trago notícia boa não patrão.
-Fale duma vez e deixe de rodeios!
O recém chegado, um homem grande e barbado apertou o chapéu entre os dedos enquanto tentava encontrar palavras para explicar ao patrão os fatos que se ocorreram.
-Os escravos já chegaram na estância, mas a negrinha fugiu patrão.
-Oque Vosmecê está dizendo?
-Açucena...ela conseguiu escapar.
Os olhos do coronel se encheram de ódio ao vizualizar oque o feitor acabara de dizer.
Açucena era sua escrava mais preciosa. De todos os bens herdados pelo falecido sogro aquele era oque mais lhe agradara. Desde que colocara os olhos sobre a maldita negrinha de olhos aveludados havia desejado seu corpo mais do que imaginara ser possível. Mas ela o rejeitara, o afrontara como nenhuma outra havia feito. E ele jurara faze-la pagar por isso.
-Encontrem-na...ou pagarão por isso!- rugiu furioso.

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Mariana fechou o livro em um sobressalto assim que a porta do quarto se abriu e o marido surgiu à soleira com olhar ameaçador.
-Senhor meu marido, eu não esperava vê-lo em casa tão cedo. - comentou forçando um sorriso.
O homem grunhiu algo em resposta, a expressão de escarnio dominando-lhe a face. Mariana sentiu um nó apertar-lhe a garganta. Desde a morte de seu pai, Augusto não fazia se quer a questão de trata-la com respeito. Era um homem rude, cínico e violento. 

- Pensei que o senhor tivesse negócios para resolver na cidade.

-Pensou errado.- ele respondeu ríspido. - Aliás, pensar não é realmente o seu forte...querida esposa.

- Porque me trata dessa maneira Augusto?

-E de que outra maneira eu deveria trata-la?

A jovem sinhá abafou um suspiro. Odiava aquele homem mais do que tudo, mas estava presa à ele e aquele maldito casamento e não tinha como fugir.

- Os escravos  vindos da capital chegaram a estancia... - Mariana fez uma breve pausa, tentando escolher as palavras certas - Açucena não estava entre eles... aconteceu algo pelo caminho Augusto? Onde ela está?

O homem irritado soltou um grunhido lançando o copo de licor na parede furioso. A sinhá recuou assustada, os olhos escuros marejados de lágrimas.

- Cale essa maldita boca mulher!- ele ordenou .

-Desculpe senhor meu marido...

-Saia da minha vista!

Mariana acatou a ordem sem pestanejar. tinha medo dos dias em que Augusto estava tomado pela raiva, e Açucena era um dos motivos que o faziam surtar daquela forma. Pobre Açucena, só de pensar no que a amiga havia passado nas mãos daquele homem seu coração doía. 

Sentia-se culpada por ter permitido que Augusto entrasse em suas vidas, e desde a morte de seu pai aquele inferno havia começado. 

Enquanto Mariana deixava o quarto com passos trêmulos, seu coração pesava com o fardo da culpa e do medo. Descer as escadas daquela casa imponente, que outrora fora seu lar feliz ao lado de seu pai, agora era como atravessar um campo minado.

Ao chegar ao térreo, encontrou o silêncio sinistro que pairava na mansão. O mordomo, um homem idoso e resignado, desviou o olhar ao vê-la passar, como se não quisesse se envolver nos assuntos pessoais dos senhores. Mariana sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao notar o temor refletido nos olhos do velho escravo. Deslizando pelos corredores sombrios, ela se dirigiu à sala de estar, onde a lareira crepitava em meio às sombras dançantes. A solidão era sua única companhia, enquanto o eco de seus pensamentos martelava em sua mente.

Enquanto aguardava, Mariana refletia sobre sua vida e suas escolhas. Ela se lembrava vividamente dos dias felizes de sua infância, quando seu pai era seu porto seguro e a estância era um lugar de alegria e liberdade. No entanto, desde que seu pai falecera e ela fora entregue em casamento a Augusto, tudo havia se transformado em um pesadelo interminável.

Ela se culpava por não ter conseguido escapar daquela prisão dourada, por não ter protegido sua amiga Açucena da crueldade de seu marido. 

Mas o que mais a corroía por dentro era a sensação de impotência, a consciência de que estava presa em um ciclo de abuso e opressão do qual não conseguia encontrar uma saída.

Enquanto o tempo se arrastava, Mariana ansiava por um raio de esperança, por uma chance de libertação. Mas, por enquanto, ela estava encurralada em seu próprio desespero, aguardando o próximo capítulo de seu tormento ao lado de um homem que ela aprendera a temer mais do que tudo.


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LIVRE PARA AMARWhere stories live. Discover now