||Prólogo

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Brasil, 1884

Seus pés doiam. Doiam mais do que poderia suportar. Estava andando por tanto tempo que o frio quase congelara seus dedos. Os lábios ressequidos ansiavam por um mísero gole de água e ela sabia que não duraria muito mais tempo.
Os cães já não podiam mais ser ouvidos e apesar da certeza de ter despistado os seus malfeitores a jovem negra não conseguia parar. Não sabia para onde estava indo ou oque faria a partir dali, a única coisa que queria era sentir-se livre.

Um vasto tapete de gelo, cobria os campos e montanhas de branco. O inverno finalmente havia chegado trazendo a geada, e Samuel Valentini tinha certeza que aquele seria um dos mais rigorosos invernos daquela região.
Precisava fortificar as cercas antes da temporada de chuvas e garantir que os suprimentos durariam até o fim da estação. Crescera naquelas terras e sabia o quanto os invernos poderiam ser perigosos se não tomasse as devidas providências.
-Papá...
A voz do menino atravessou o campo branqueado pela geada, ao lado do cão de confiança ele acenava para o|pai agitado. Samuel apeou do cavalo e cortou a distância entre eles.
-Oque é aquilo? - o menino apontou para o ponto mais baixo do descampado onde uma silhueta coberta de lama encontrava-se caida.
-Fique aqui!- ordenou ao filho embrenhando-se em meio ao matagal enlameado.
O menino obedeceu, as mãos apertadas ao redor da arma, que apesar da pouca idade já sabia como empunhar.
Samuel aproximou-se do corpo desfalecido e afastou-lhe o emaranhado de cabelos do rosto. Uma mulher, negra e muito jovem, com marcas de correntes nos pulsos e tornozelos. Apesar de pouco notar-se a respiração ainda estava viva. Mas se continuasse ali, certamente não por muito tempo.
-Está morta? -perguntou o menino que se chamava Pedro.
-Ainda não.
-Vamos leva-la para casa?
Samuel olhou ao redor como se estivesse em busca de resposta. Sabia o quanto era arriscado acoitar escravos em fuga, mas não podia deixar a pobre ali para morrer.
-Traga o cavalo.- ordenou, rezando para não se arrepender.

LIVRE PARA AMARWhere stories live. Discover now