Prelúdio

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Atenas, Grécia. 212 dC.

Diógenes e Dário não eram o que se podia chamar de filhos exemplares. Mesmo assim os gêmeos eram o orgulho de seus pais. E embora fossem idênticos, seus temperamentos eram bem diferentes. Talvez por isso fossem tão amigos.

Diógenes, o mais velho por uma vantagem mínima de 20 minutos, puxara sua avó materna e, a despeito de ambos seus pais serem morenos, ele saiu ruivo e sardento. A pele avermelhava quando ele ficava com raiva, o que significa que ele estava quase sempre vermelho, já que era de estopim curto. Por isso seu irmão o apelidara de Αλεπού, isto é, raposa.

Quanto a Dário, era branco como o leite, e mirrado ao ponto de parecer desnutrido. Apenas parecia, pois tinha um apetite de um adulto. Era idêntico ao pai, com a cabeça arredondada e cabelos tão negros quanto seus olhos. Mas na personalidade saíra uma cópia da mãe:  um menino dócil e tímido, curioso e inventivo.

O galo ainda não havia cantado quando o jovem Diógenes, de apenas 11 anos, saiu aquela manhã para caçar a maldita raposa que estava acabando com as galinhas da família. Assustou-se ao tropeçar no irmão que estava deitado no chão criando alguma geringonça.

- Tá fazendo o quê aí, cabeça de ovo?

- Trabalhando, não tá vendo, não? E você, ainda não desistiu de pegar sua irmã? - ele se referia, naturalmente, à raposa.

- E nem você de tentar bisbilhotar a vizinha, pelo visto!

Dário enrubesceu e tentou disfarçar o sorriso maroto. Desde que Helena, a linda garota da casa em frente, havia se mudado mês passado, ele não pensava em outra coisa. Como bom inventor que era, estava trabalhando em um presente para a garota. Esperava surpreendê-la com sua "Caixa de Pandora", um porta-joias com fundo falso, onde o menino adicionaria posteriormente uma carta.

Diógenes não lhe deu atenção e saiu para sua caçada. Espreguiçou-se a entrada da casa e olhou o horizonte. Aquele parecia ser um dia promissor. Ele nunca tinha visto um nascer do sol tão belo. Com certeza o deus Apolo estava inspirado naquela manhã. 

Como era esperado, Diógenes não conseguiu atingir seu objetivo assassino, e foi Dário quem teve que suportar o temperamento explosivo do irmão. Afinal de contas, embora sua mãe fosse um doce de pessoa, nenhum dos dois se atrevia a irritá-la e sofrer as consequências de um castigo merecido. Dário também tivera sua cota de decepções naquele dia, uma vez que Helena havia viajado com a família e não voltariam antes das festividades Leneanas.

Mas nem o péssimo humor de Diógenes, nem  a frustração de Dário, se comparava à tempestade que se aproximava. O céu naquele fim de tarde havia escurecido rapidamente, e podia-se ver ao longe raios assustadores. Claramente a alegria matinal de Apolo não amenizou o mal humor de Zeus naquele dia!

O pai dos gêmeos chegou em casa, com um semblante preocupado. Chamou a mãe de lado para falar-lhe sobre algo que os gêmeos não puderam ouvir, mas com certeza afligia bastante seu pai. No final das contas, a doçura de sua esposa levou a melhor, e eles tiveram um jantar calmo. Depois do jantar, os gêmeos foram preparar a lenha para o dia seguinte, enquanto seus pais, exaustos, foram se "deitar" mais cedo.

Foi quando tudo aconteceu. Sem nenhum aviso prévio, eles sentiram o chão tremer. Ao longe, as estrelas pareciam ter se desprendido do céu. Nunca antes eles haviam visto tantas estrelas cadentes. Mas não tiveram tempo de fazer nenhum pedido.

Diógenes correu para casa avisar os pais, que no momento produziam o seu próprio terremoto particular. Mas não pode chegar sequer à porta quando ouviu o grito de Dário. Virou-se imediatamente a tempo de ver a grande bola de fogo que caía sobre ele. Dário assistiu aterrorizado sua casa ser completamente destruída. Mas não viu o que aconteceu com o irmão, porque o impacto do meteoro atirou Dário para longe.

Atordoado, com o ouvido zunindo, levantou-se devagar. À sua volta tudo estava destruído. Seu corpo doía, mas ele tinha que se levantar, tinha que achar Diógenes. Foi o barulho de água que chamou sua atenção. A cratera que o meteoro abriu onde antes estava sua casa, enchia-se aos poucos com a  água do rio que corria atrás da casa deles. Assistiu horrorizado a cratera se encher e congelar instantaneamente pouco antes de o buraco estar completamente cheio. A superfície do gelo brilhava.

Mancando, aproximou-se devagar do gelo. Quando procurou a fonte do estranho brilho, seu coração quase parou quando viu, no fundo da cratera, abaixo do gelo, seu irmão caído. Sua reação foi imediata e instintiva. Ele socou o gelo gritando por seu irmão. Não precisou dar um segundo golpe. O gelo estilhaçou sob seu punho, que parecia arder em chamas, e ele afundou como uma pedra no gelado lago recém formado da cratera. Pegou seu irmão e o tirou de lá com facilidade, arrastando-o para fora. Diógenes parecia feito de gelo. Sua pela estava fria e arroxeada. Dário, sentado no chão, colocou a cabeça de seu irmão sobre seu colo e o abraçou desesperadamente.

Aquele que outrora fora seu melhor amigo e companheiro, jazia morto em seus braços.


Ken-YaWhere stories live. Discover now