1. A montanha

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Minha mãe me disse que dos 5 filhos, eu era o bebê mais tranquilo. Eu acho que ela quis dizer que eu quase não chorava, raramente ficava agitada e passava a maior parte do tempo dormindo. O que eu acho que era uma coisa boa, para ela. Como eu era a quarta de um total de cinco crianças, ela já tinha muito com o que se preocupar antes de chegar a mim. Então eu facilitei para ela.

Eu continuei fazendo o mesmo conforme fui crescendo. Se algum dos meus irmãos derrubasse o sorvete, eu dava o meu para eles não fazerem escândalo. Quando alguém tinha que sentar no assento do meio, você pode apostar que era onde eu sentava no carro. No quinto ano, quando a Clara Gomez roubou o biscoito da minha lancheira, eu dei de ombros e comi a cenoura que tinha ainda.

Meu apelido era "montañita", montanhazinha, porque eu nunca me movia, nem me importava com nada, estava sempre calma. No sétimo ano, eu quebrei a minha perna, mas não disse a ninguém por três dias. Eu só apertava os dentes e seguia em frente, até meu pai me encontrar chorando no chão do banheiro. Ele me levou para o hospital e não podíamos pagar por um material mais caro para imobilizar. E quando as crianças da escola começaram a me zoar. Bem, imaginem o que eu fiz?

No Ensino Médio, minha irmã mais nova estava sofrendo bullying de alguns garotos, eu fingi que não vi. Mas naquela noite, eu troquei a saia do uniforme dela, que estava muito pequeno, pela minha. Pararam de implicar com ela e eu passei o resto do ano usando calça. Quando o professor de Álgebra perdeu a minha prova e me fez refazê-la, eu apenas concordei e fiz. 

Quando gritavam comigo enquanto eu andava pelo campus da faculdade, eu apenas olhava para o chão. E você... O primeiro dia que você veio até mim e se ofereceu para comprar um café para mim, eu estava certa de que você estava tirando uma com a minha cara. Então fiquei em silêncio. Eventualmente você, Evan Peters, me deu aquele sorriso ofuscante e me disse, "Acho que vou aceitar isso como um sim, então."

Eu acho que tinha dito umas três palavras para você naquele primeiro dia, mas te dei meu número e atendi quando você ligou. No início, eu acho que você apenas pensava que eu era tímida. Mas meses se passaram e as coisas se toranam mais sérias, você começou a ficar chateado quando eu não te dizia as coisas.

Quando eu fui demitida do meu emprego de meio expediente e comecei a não almoçar para conseguir comprar os livros que eu precisava para estudar. Eu não disse a você, porque eu sabia que ficaria chateado. Eu estava certa, não estava? Você ficou tão chateado quando você descobriu.

"Aqui!" Você gritou, jogando dinheiro em mim. "Pega isso! Eu não preciso! Você sabe que eu tenho uma bolsa de estudos e meus pais me mandam dinheiro, pega esse maldito dinheiro!"

Eu apenas fiquei parada ali. Nunca ninguém tinha gritado comigo por ter feito alguma coisa boa. Quando você percebeu o quão atordoada eu estava, você suavizou a sua voz, "Por favor, me machuca ver você passando fome. Por favor, pega o dinheiro."

Pela primeira vez eu respondi, "Por quê?"

Você riu, "Porque eu te amo, sua idiota."

Eu peguei o dinheiro, mas coloquei escondida a maior parte dele de volta na sua carteira a noite, quando você estava dormindo.

Por quase todo o tempo que estivemos juntos, nós nunca brigamos. Mesmo quando um dos seus amigos tentou me dizer que você tinha me traído (eu sabia que você não tinha me traído, seu amigo que era um babaca). Quando ele tentou e contar, eu apenas o encarei. Eu não chorei, ou gritei, ou pedi por provas. Isso fez com que ele surtasse e continuasse tentando me convencer, mas eu continuei calma e ele eventualmente desistiu e contou a verdade.

Mais tarde você me disse que não podia acreditar no quão incrível eu era por confiar tanto em você. A verdade era que eu não tinha ideia se era verdade ou não. Eu só não reagi porque sabia que se eu reagisse não mudaria nada e eu aprendi que ficar calma em situações como esta, me dava o poder.

Em nosso casamento tivemos poucas brigas. Se você não levasse o lixo para fora, como disse que faria, eu levava. E quando você percebia que eu tinha feito a sua tarefa, você se sentia tão mal que fazia algumas das minhas para compensar.

Quando nossos filhos se comportavam mal, eu nunca levantava a voz, ou gritava, ou fazia escândalo. Eu só perguntava a eles o que eles tinham feito e eventualmente, eles cediam. Nosso mais velho me disse uma vez que seria menos assustador se eu só gritasse como o pai deles fazia. E decidi que permaneceria do jeito que eu era, calma, quieta, pacífica, sem reagir, pelo resto da minha vida.

Mas você mudou isso.

Seu babaca!

Quando você morreu.

Quando você morreu, foi como se aquela montanha emocional congelada explodisse dentro de mim e derretesse tudo de uma vez só. Ninguém esperava, quando eu comecei a gritar e chorar de soluçar no funeral. Meu irmão mais velho tentou me levar para fora e eu dei um soco em seu queixo (me desculpei depois, claro).

Você dificilmente me reconheceria agora, eu acho. É muito mais difícil eu conseguir manter um olhar sem expressão, e levar a vida. Porque eu continuo lembrando de você dizendo "Se defenda! Você merece mais, meu amor!" E você não está mais aqui para me defender ou defender nossos filhos.

Eu não sei exatamente como descrever o que mudou no instante em que você deixou a Terra, mas é como se eu fosse azul em um momento e vermelho no momento seguinte. Um gelo muito grosso antes e tivesse derretido para um furacão. Eu estive uma bagunça durante um ou dois anos, eu acho. Eu consegui colocar tudo sob controle novamente, mas mesmo agora, eu não sou como eu era. Eu continuo calma, e racional, e penso antes de falar. Mas se alguma coisa ou alguém ameaçar nossos filhos ou a felicidade deles, eu sei que tem que ser eu a protegê-los. E como é de conhecimento dos alpinistas, a neve suave que cobre o topo tão tranquila a distancia, é mortal.


Imagines - Evan Peters (traduções e adaptações)Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum