III. Efeito Sanfona

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O sentimento crescia.


Durante as reuniões, sentados lado a lado, eventualmente uma perna roçava na outra. Algumas vezes ele dizia "desculpe", outra vezes ela pedia e ele retrucava imediatamente "não, eu que peço desculpas". Curioso. Tantos pedidos de desculpas, completamente desnecessários para ela. Não se desculpava, entretanto, quando lhe tocava o braço propositalmente, ou por mirá-la tão fixamente nos olhos, sem nunca desviar o olhar - quando o fazia, parecia ser um pretexto para observá-la mais detalhadamente.

Antes de dormir, sua presença ainda era consistente. Apesar de estar sólido em seus pensamentos, ele ainda não havia aparecido em seus sonhos. Todavia, a garota foi ousada. Atreveu-se a mandar-lhe uma mensagem através do celular. Não era um email formal como antes, tratando-se do celular, o contato já se tornava mais íntimo. Foi apenas uma piada pronta, acerca do projeto, algo com o objetivo de fazer-lhe rir. Pensou e repensou inúmeras vezes. O que esperava? Não sabia. Pois então mandou a tal mensagem. O coração acelerou. Uma resposta veio, antes que pudesse dormir. Ele respondeu! Isso lhe arrancou um sorriso. Não era uma resposta que incentivava a continuação de uma conversa, no entanto, ainda era uma resposta! E o suficiente para fazê-la sorrir antes de dormir. Que loucura! A garota sabia que nunca mais repetiria tamanho comportamento ilógico.

A admiração à distância durante as aulas se manteve: ele, sempre radiante, ela, retraída. Alguns alunos tinham maior destaque e conseguiam sua atenção com comentários inteligentes e piadas. Ela, por sua vez, raramente conseguiu trocar algumas palavras com ele, em público. Sentia-se mal por isso, afinal desejava sua atenção. Muitas vezes se surpreendeu com o próprio sentimento que preferia negar: o ciúmes. Sim, sentia ciúmes dele. Certo dia, ao final da aula, ao ir falar com ele sobre o projeto, foram interrompidos por uma aluna específica - o desprazer em carne e osso! A garota considerava a tal aluna um ser humano abominável por diversos motivos que não diziam respeito a ele, mas à arrogância, principalmente. Não sabia reconhecer do que mais sentiu raiva. O ato de interromper uma conversa formal por algo banal? Falavam sobre o projeto enquanto a insuportável queria saber o que ele tinha feito no final de semana. A pessoa em si que ousava interrompê-los? Ou então... o fato de ele ter aceitado? A atenção dele deixou de ser dela para se tornar da pessoa que menosprezava... e o modo como ele respondeu... não foi meramente por educação ou obrigação. Respondeu sorrindo, entusiasmado. Talvez se tivesse sido outra pessoa... mas tinha que ser justamente aquela pessoa?

O pior é que tal comportamento se repetiu. A insuportável era uma falsa, hipócrita e interesseira, pois vivia falando mal dele, e depois queria demonstrar o oposto? Só por que tinha boas notas? E sempre fazia perguntas durante a aula!

E isso a entristecia muito, tanto quanto a revoltava. Por que o sistema tinha de ser tão injusto e cruel? Por que um aluno se tornava um número, equivalente ao seu rendimento em um simples pedaço de papel, cujo nome não condizia com a verdade, afinal, o que ele provava?

O semestre não estava sendo nada fácil. A garota sempre apresentou aos pais um boletim azul, atingir a média nunca foi um problema, no entanto, naquele lugar, todo o seu trabalho e sua determinação sempre lhe pareciam insuficientes para atingir um resultado aparentemente inalcançável. Por isso desabou, ali na sala secreta, em mais uma de suas reuniões com ele. Chegou a chorar e ele a consolou e a fez rir, como sempre a fazia. Certo dia disse que não gostava de ver moças chorarem, e coincidiu de vê-la naquele momento.

Ela se sentia cada vez mais próxima dele, mas, como em uma sanfona, ao ir, precisava voltar. Aproximava-se para afastar-se dele. O jeito que ele a conduzia na dança não lhe pareceu mais exclusivo. Haviam mais projetos, mais garotas, mais danças. Por que ela seria diferente? Por que, se nunca esteve acima da média? Não havia nada de extraordinário... nem nela, nem entre os dois.

A esperança de estar equivocado era sempre um problema que alimentava a terrível dona expectativa. Afinal, ela poderia ser diferente...

O primeiro casamento dele havia fracassado por razões que ela desconhecia, e mesmo assim havia uma segunda mulher, prestes a conceder-lhe o segundo casamento, bem sucedido ou não.

- Às vezes você vê umas moças tão bonitas com uns namorados tão feios. Fica até difícil de entender. - ele comentava, mostrando alguns exemplos em seu celular.

E nessa brincadeira, em que arrancava sorrisos da garota, destruiu-lhe a tal esperança e a dona expectativa. O próximo exemplo foi a fotografia de sua noiva. Era bonita! Loira. O padrão de beleza apreciado pela maioria. E como as coisas sempre podem piorar... ele ainda lhe pareceu apaixonado... e não era pouco... muito! Tão apaixonado!

Como poderia competir?

Pois bem, não podia. Era preciso recolher a sanfona e parar a música.  

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