Membira Luison

15 1 0
                                    

  
Chegamos ao novo mundo há mais ou menos uma semana, algumas de nossas embarcações haviam afundado ou se perdido, os nativos pareciam pacíficos e apesar da desconfiança não tivemos maiores problemas. As formas de culto daquele povo eram verdadeiramente primitivas, estátuas de madeira de animais, algumas de homens com características animais.
Reparamos que ao cair da noite apenas alguns homens circulavam pela aldeia atirando carnes em meio ao mato, sempre em grupos de três armados com flechas e lanças como se esperassem algo.
Haviam colônias de portugueses como eu instaladas, alguns de nós já conseguiam se comunicar com os nativos, descobrimos que a terra era rica em todos os sentidos, além de emanar das matas fechadas um ar de mistério.
Me chamo Ângelo, minha família é dona de uma das maiores fábricas de móveis nobres de Portugal, nossos móveis e tronos estão espalhados por toda a Europa, e agora com o descobrimento desse novo lugar, meu pai pediu que eu viesse com alguns empregados para começarmos a analisar as árvores nativas e olhar o que podemos fazer com elas.
__ Os nativos têm hábitos estranhos por essas bandas meu caro Ângelo, mas em sua grande maioria são inofensivos, adoram nossos presentes e em troca nos mostram lugares de encher os olhos. Disse Bento, foi um dos primeiros homens a pisar na nova terra.
Eu havia reparado que haviam pratos repletos de frutas frescas e carne que eram colocados aos pés da imagem, algum tipo de rito pagão, provavelmente adorando algum tipo de demônio.
__ Eles não têm a fé no Deus verdadeiro, vamos ensiná-los. Respondi tocando o crucifixo de prata dado por minha mãe, para me proteger na viagem.
No centro da nossa colônia havia um enorme crucifixo de madeira com nosso senhor com seu olhar misericordioso em seus últimos momentos como homem, precisávamos levar a luz do Deus verdadeiro aquele povo tão primitivo.
Bento se aproximou com uma taça de vinho do porto, fazia muito tempo que não provava aquela deliciosa bebida, a lua brilhava cheia no céu, quando toda a colônia foi tomada por um som de arrepiar todos os pelos do corpo, seja o que for que emitiu aquele som era grande e estava furioso, parecia o grito de mil cachorros em agonia.
Arregalei os olhos na direção de Bento ele estava pálido mas ainda assim emitiu um sorriso amarelo.
__ Deve ser algum cachorro nativo, estamos em uma terra nova, sabe se Deus que tipos de animais vivem aqui.
Mas senti medo na voz de Bento, ele estava tranquilizando mais a si mesmo do que a mim.
Logo em seguida ouvimos gritos agudos dos nativos pareciam estar celebrando algo, um nativo passou correndo pela colônia gritando em uma espécie de transe frenético.
__ MEMBIRA LUISON, MEMBIRA LUISON!
Todos saíram de suas cabanas e observavam o nativo que dançava arranhava o chão e corria, sem nunca interromper seus gritos, que eu não fazia ideia do que significava, e pelo visto ninguém ali na colônia. Até que um nativo mais velho totalmente nu, iluminado pelas apenas pelas tochas, seu corpo estava pintado de vermelho apareceu em meio as folhagens.
__ Yawara Jepy. Disse o nativo mais velho, a dança e os gritos pararam, ele voltou correndo para o mato seguido pelo que estava pintado de vermelho. O silêncio se instalou na nossa colônia, todos voltaram para suas cabanas sem dizer uma só palavra.
Os dias iam se passando e depois do ocorrido os nativos evitavam falar conosco, proibiam nossa entrada em sua aldeia e corriam quando nos viam, alguns apenas murmuravam algo incompreensível e balançavam as cabeças ao nos ver. Alguns homens começaram a ficar impacientes pois os nativos antes receptivos e acolhedores agora nos evitavam, em uma manhã acordamos e o grande crucifixo estava coberto de animais mortos e sem pele, cercados de moscas e alguns já começavam a exalar mal cheiro. O padre local entendeu aquilo como uma afronta, uma blasfêmia contra o santo Cristo e pediu aos homens que adentrassem a aldeia punindo todos os nativos. Obviamente eu era contra aquilo tudo, eram selvagens não tinham noção da santidade que o nosso senhor representava, mas a palavra do clero era lei.

Entramos na mata iluminados apenas pela luz da forte lua, planejamos por muitos dias aqueles ataques, e já era lua cheia de novo quando resolvemos executar nossa missão, Bento estava a minha frente com sua espingarda em mãos e sua garrucha na cintura, eu estava armado com uma espingarda e meu facão, e sempre tocava meu crucifixo pedindo a Deus por proteção. Enquanto andávamos na direção da aldeia sentíamos que algo nos observava, por vezes vi um vulto passando por entre as árvores algo grande, mas provavelmente criado pela minha imaginação.
Vimos ao longe uma fogueira acesa e os nativos dançavam e cantavam em uma dança circular, vários animais mortos estavam em volta do círculo, e alguns presos por cordas ou gaiolas, nos aproximamos ficamos quietos. O ar ficou frio a nossa volta, e ouvimos passos pesados vindo na nossa direção e os nativos começaram a gritar.
__ IKÊ LUISON!
Um de nossos companheiros deu um grito de pavor e quando olhamos ele tinha desaparecido, o grito dos nativos continuava alto e a dança cada vez mais frenética.

Nosso líder apontou sua arma para a roda de dança, mas antes que pudesse atirar algo pulou sobre ele e arrastou o para a mata. Em pânico todos começaram a atirar nos nativos, eles corriam e gritavam sumindo entre a floresta, alguns caiam,com o grande levantar da poeira e o forte vento que soprou a fogueira se apagou, apenas a luz da lua iluminava a aldeia, um grande cachorro de madeira estava ali, coberto de animais mortos, mais barulhos vindos da mata, algo me atingiu nas costas rasgando minha camisa senti como se uma lâmina afiada houvesse me ferido profundamente, eu me virei rápido para trás e atirei mas não acertei nada. Vi meus companheiros voltarem da mata em pânico gritando coisas incompreensíveis, alguns feridos, outros mutilados com algum membro pendurado, e em meio aquilo eu desmaiei.
Abri os olhos estava sendo encarado por um nativo, ele fumava algo parecido com um cachimbo e ao me ver ele sorriu.
__ Membira Luison. Disse ele soprando a fumaça para o alto, desmaiei novamente.
Não sei quanto tempo se passou ou o que aconteceu durante aqueles dias, mas acordei dentro de um quarto ouvia fortemente o barulho do mar, Pedro meu irmão estava sentado a meu lado e junto dele o padre que olhava atônito para a janela.
__ Os nativos o entregaram, disseram que todos os homens fugiram enlouquecidos no meio da noite. Falou o padre.
__ Padre, o que significa membira Luison? Perguntei pois era a última coisa que me lembrava.
__ Significa filho do homem cachorro. Disse ele se levantando e saindo.
Olhei para a janela e vi a lua cheia iluminando meu quarto, pousei meus olhos em meu irmão, então percebi que estava com muita fome...

Membira LuisonWhere stories live. Discover now