❤ Capítulo 2

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Gabriele

Termino de colocar a última coxinha dentro da mochila térmica e tampo os três compartimentos, com um pedaço de papelão embrulhado no alumínio, antes de fechar. Essa tática ajuda a evitar que elas balancem muito e venham para a frente durante minhas andanças pelo centro histórico de São Paulo.

Desde que comprei essa bolsa, geralmente usada para entrega delivery, consigo vender bem mais do que meu antigo suporte de isopor em uma única saída. O problema tem sido minhas costas. O negócio é grande e pesado para alguém tão miúda quanto eu. Preciso resolver logo meu cantinho fixo, já faz 10 anos que estou nessa labuta diária de caminhadas para todo lado.

Não sou mais novinha e cheia de disposição. Os calos nos meus pés que o digam!

Coço os olhos, cansada pela rotina corrida que tenho levado, e meu cérebro me lembra que dormir também é algo importante. Engulo em seco, afastando a preocupação para longe, e alimento meu coração de esperança.

Logo tudo isso vai passar.

Tiro a toca do cabelo e penduro em um prego que coloquei estrategicamente na lateral da pia. Confirmo se todas as louças estão no escorredor, porque odeio deixar bagunça, e diante da afirmativa, marcho rapidamente para o banho. O que não é uma tarefa difícil, diga-se de passagem, porque eu moro em uma quitinete bem pequena. Pequena seria até um eufemismo. Tenho uma cozinha, um quarto e um banheiro modestos. Não gasto dinheiro além do necessário.

Arranco a roupa com cheiro de fritura, jogo no cesto e me lavo em menos de cinco minutos. O tempo que levo para me vestir e colocar um sapato é ainda menor. Não posso me atrasar! Sempre faço as coxinhas na hora de sair para manter a qualidade que meus clientes amam: quentinha, crocante e sequinha.

Arrumo meu rabo de cavalo, passo um batom rosa e escolho uma das dezenas de brincos de bijuteria que tenho guardados em uma bolsinha. Acabei de tomar banho e o suor já escorre na minha testa por causa do ambiente apertado e abafado. Espanto as gotículas com os dedos e dou uma última olhada no espelho.

Passo no quarto e pego na cama a pochete que uso para guardar o dinheiro e, enquanto a amarro na cintura, retorno para a cozinha. Apanho a mochila térmica em cima da mesa e ajeito nas costas que logo reclamam. Por sorte, eu costumo vender as 45 unidades que estão aí dentro no máximo em uma hora.

Assim que coloco o corpo para fora do meu apartamento, avisto Virginia chegando no seu com um monte de sacola do mercado. Ela é minha vizinha e melhor amiga. Nem parece que temos mais de 20 anos de diferença de idade.

— Meu Deus! Já são quatro horas da tarde? — questiona, alarmada ao me ver. — Senhor Jesus! Sai para o mercado não eram nem duas ainda.

Faço um turno no final da manhã e um no final da tarde, religiosamente nos mesmos horários sempre. Sorrio para a minha amiga e corro para deixar um beijo na sua bochecha rosada pelo sol que faz lá fora.

— Também, você para pra falar com Deus e o mundo, Gina. Parece até político.

— Não tenho culpa se sou uma boa ouvinte e o pessoal me adora — ela comenta divertida e abre a porta, deixando as sacolas no chão. Quando me observa melhor, enruga a testa e arqueia uma das sobrancelhas. — E essas olheiras aí, hein Gabriele Santana? Está pegando pesado de novo, né?

Falar o nome inteiro nunca é um bom sinal. Dou de ombros, querendo evitar a conversa para não ficar atrasada, mas o rosto fechado da minha amiga anuncia que não deixará o assunto inacabado.

— Estou cobrindo as férias da Melissa na pizzaria do Neno esse mês. Comecei quarta — confesso, preparando o psicológico para o sermão.

— De novo, Gabi? Mês passado já tinha feito isso na padaria da esquina, e no outro para o sushi bar do final da rua. — Não falei? É por isso que evitei de mencionar o fato antes. Sabia que não ia aprovar. Gina se aproxima e passa a mão no meu rosto. — Desse jeito você fica doente, amiga. Não pode trabalhar sete dias por semana, em três turnos.

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