❤ Capítulo 8

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Gabriele

Vejo uma notificação do meu irmão piscar na tela do celular e é imediato o vinco que se forma na minha testa. Ele raramente manda mensagem ou liga, Tiago é uma das pessoas mais fechadas que eu conheço.

Temos 11 anos de diferença de idade, talvez isso tenha contribuído muito para o distanciamento natural entre nós. Quando eu era criança, ele já estava na adolescência com outras prioridades.

Não ajudou em nada o fato da nossa mãe ter nos abandonado para ficar com outro cara. Eu nem me lembro como Doralice era, mas Tiago sim. Ele acumulou uma raiva tão grande depois disso, que se tornou ainda mais introspectivo. Nunca casou, não teve filhos, sequer apresentou uma namorada para a família. Mora com meu pai até hoje. Acho que meu irmão evita relacionamentos por culpa dela.

Queria poder ajudá-lo, por muitas vezes tentei, no entanto, não recebo nenhuma abertura. Não quer conversar comigo, não aceita procurar apoio profissional. É difícil de lidar, embora não o julgue. Se eu, que quase não tenho memória materna, convivo com uma sensação horrível de vazio, imagino ele. É inevitável questionar o por que ela fez isso, por que não manteve nenhum contato.

Inspiro fundo, sentindo aquele repuxar incômodo no peito. As batidas involuntárias aumentam o ritmo, sem que consiga controlar. É esquisito e dúbio demais os sentimentos que ficaram da minha mãe. No fundo, não sei se é um desejo bobo de menina, tenho a impressão de que Doralice ainda vai voltar e vou descobrir o motivo de ter agido como agiu.

Largo o pote de frango desfiado na mesa e corro para lavar as mãos na pia, espantando os pensamentos. Com pressa, enxugo no avental mesmo antes de pegar o aparelho. Há uma mensagem curta e direta do Tiago.

O pai está mal. Não quer ir ao médico.

Encosto o corpo na cadeira e disco o número do seu José imediatamente. O que meu irmão tem de fechado, meu pai tem de teimoso. Odeia hospitais, prefere se remoer de dor do que procurar ajuda. No quarto toque, sou atendida por uma voz rouca.

— Não acredito que seu irmão já foi fofocar — resmunga, tossindo em seguida.

Quase posso ver a cara feia que deve estar fazendo agora para o coitado do Tiago.

— O que o senhor tem, pai? — questiono, preocupada, sem ligar para o comentário.

— Só uma tosse, nada demais...

— Tosse, tontura, febre de 39 graus, dor de garganta, diarreia... — ouço meu irmão enumerar ao fundo.

— Tudo isso, pai? — Ajeito a postura, tensa.

Seu José não é de ficar doente, mas quando fica, ela vem com tudo.

— Não é nada demais, filha, não se preocupe.

— O senhor precisa ir ao médico sim, só ele pode dizer se não é nada demais — digo incisiva. — Como vai trabalhar desse jeito?

— Trabalhando, ué — argumenta com outra tosse. Pelo som, posso perceber o peito cheio. — Já estava me arrumando pra sair com seu irmão.

— Não dá para ficar um turno inteiro em pé, na frente de uma chapa. É perigoso acabar se machucando.

Eles são soldadores em uma fábrica pequena que tem perto de casa. Não há a mínima chance do meu pai ficar com um objeto cortante, por horas, tendo tontura e mal-estar.

— Eu não vou faltar, Tiago. — Eles têm tão pouca diferença de idade, que parecem mais amigos do que pai e filho. — Não começa de novo!

Bufo com a discussão dos dois, desencostando da cadeira. Vou ter que ir lá para dar um jeito no seu José. Homem cabeça dura, meu Deus!

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