Capítulo único

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[N/A] Olá, decidi escrever essa one shot faz um tempo kkk. A inspiração veio e algumas pessoas próximas de mim me incentivaram a postá-la. Devo avisar que se trata de uma fic melancólica, um drama.

Boa leitura ^^

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Há aqueles dias em que mal sinto vontade de levantar da cama. Como se nada mais valesse a pena, como se meus esforços não possuíssem peso ou significado.
  
Dias em que me sinto tão perdida em pensamentos obscuros, num labirinto de espinhos. Quanto mais tento encontrar a saída pelos arbustos exorbitantes, mais me espeto.
  
As vezes, a única luz que me resta é a que vem pela fresta da minha janela, mas que não tarda de ser impedida de entrar pelos meus dedos frágeis, estes que se apressam a fechar as cortinas com a pouca energia que os resta.
  
Há momentos em que me sinto um caso perdido, aquele ser que ninguém é capaz de compreender.
  
E diria que nem eu mesma entendo o meu caos particular.
  
Me sinto a errada da história, não importa qual seja o enredo. Já me convenci de que nada que eu faça será o suficiente. Quase sempre me pergunto o que estou fazendo aqui, o porquê de ter vindo a esse mundo.
  
O destino realmente existe? Somos seres tão pequenos, grãos de poeira no infinito do universo.
  
Tanto pensei, tanto refleti, porém ao invés de encontrar minhas respostas, mais me distanciei de mim.
  
Até mesmo minhas paixões perderam o sentido. Dos meus quadros já não me orgulho mais, em minha mente doentia mais prevalece a cor cinza. O cheiro fresco e forte de tinta a óleo e solvente impregnando minhas narinas já não me atrai como antes.
  
Minhas composições não parecem mais tão visionárias. Minhas obras então, sem valor algum.
  
Nesses dias indesejados, tudo isso ocorre num turbilhão. Pelo menos por um tempo.
  
A típica montanha-russa da vida.
  
Acabo me arremessando cada vez mais em direção a escuridão, passagem só de ida, já que não sei como sair do buraco em que me meti.
  
E em meio a uma confusão de latas de tintas derrubadas, pincéis caídos ao chão e um atelier empoeirado, vejo meus sonhos perdendo sua importância. Como se uma parte de mim estivesse morrendo sem minha permissão.
  
Críticas. Críticas. E mais críticas.
  
Todas vindas de bocas maldosas, línguas afiadas e corações sem um pingo de empatia. Palavras podem cortar mais que a faca mais amolada, aprendi isso na prática.
  
Mas a pior de todas as falas infelizes com certeza é a vinda de dentro de nós mesmos, a que mais fere a alma e ofusca nossa luz.
  
Eu não deveria me importar com frases sem fundamento provenientes de terceiros. No entanto, aqui estou. Uma dose de bebida em mãos, o corpo debruçado no que deveria ser uma de minhas futuras obras. A poeira do aposento já não me incomoda.
  
Levanto meu rosto, reunindo a pouca força que tenho após soluçar e derramar minhas lágrimas sobre a tela em branco, em cima da grande mesa do atelier. Havia deixado meu antigo cavalete de lado em algum lugar do depósito, este que não me recordo.
  
Uma dor aguda atinge o meu peito, a falta de ar e tal aperto indesejado parecem incomodar menos que a tempestade em minha mente. A bebida aos poucos parece aliviar temporariamente a minha agonia.
  
Uma ilusão. O sabor adocicado e ao mesmo tempo amargo altera meus sentidos, enquanto rasga a minha garganta.
  
Minhas mãos passeiam pela tela, enquanto meus olhos irritadiços ardem devido as lágrimas. O gosto salgado invade a minha boca a cada gota teimosa que ousa acariciar a minha pele, num caminho curto.
  
Engulo em seco, procurando por um motivo vago em minha mente para continuar viva.
  
— Uma artista que mal sente prazer em pintar suas próprias telas... — Falo com a voz embargada, em meio a soluços — Patético, Son Chaeyoung.
  
Em minhas próprias palavras amarguradas, uma vergonha. Me deixei levar pela pressão que coloquei em mim mesma, pelas opiniões alheias.
  
E foi quando pensei em dar um fim em tudo — por mais infeliz que isso seja —, que levantei minha cabeça para o relógio digital pendurado em uma das paredes.
  
Pude notar os números exatos, "00:00".
  
Malditos sinais, me perseguem como se quisessem me dizer ou avisar algo. Uma mensagem que nunca irei entender, que provavelmente não passa de uma coincidência.
  
Coincidência ou não, todos os dias tais números repetidos aparecem em minha visão. Em relógios, no celular, no horário das mensagens que recebo.
  
Até mesmo no relógio da maldita porta do microondas.
  
Respiro fundo, cerrando os punhos. Me forço a engolir o meu choro, tentando me convencer de que se estou viva, deve haver algum motivo.
  
E se não houver, eu dou um sentido novo a minha vida.
  
Oras, tenho muitas coisas para fazer ainda, não é? Conquistar o coração de Myoui Mina ainda mais, com os meus poemas bregas e clichês, com certeza é um desses afazeres.
  
E Dahyun sentiria minha falta e não aguentaria caso eu desistisse da minha própria existência.
  
Meu sofrimento é o que torna os momentos bons tão preciosos, e uma hora estarei em cima novamente. Enquanto viva, não existe nenhum mal insuperável, não é? Eu deveria pensar dessa forma.
  
Bem... Deveria, mas não é fácil.
  
Repentinamente, escuto a porta do pequeno atelier se abrir. O alto ranger denúncia o ser acanhado que ousou adentrar o espaço.
  
Afim de evitar sermões desnecessários, tomo o resto da dose da bebida em minhas mãos e deixo o pequeno copo em cima da mesa, num lugar afastado.
  
Poderia até fingir que não sei de quem se trata, mas o perfume doce e tão agradável é inconfundível. Ao invés de me acalmar como nos dias costumeiros, meu corpo se torna mais tenso assim que escuto seus passos se aproximando.
  
Os seus coturnos com salto reproduzem um barulho oco a cada passo que a garota dá em minha direção, pelo piso de madeira antigo da grande sala.
  
Consigo visualizá-la claramente em meus pensamentos com suas roupas elegantes num tom escuro. Trajando uma calça justa preta, o seu blazer da mesma cor e a única peça de tom claro do conjunto, uma blusa branca de gola alta, assim como a vi pelo turno da tarde na empresa em que trabalho temporariamente como designer.
  
Pigarreio a garganta antes de me pronunciar.
  
— Eu já disse que esses sapatos apertados podem machucar os seus pés, Minari — Deixo a frase escapar com minha voz fraca, não ousando olhar para trás.
  
A sombra da sua silhueta agora cobre a mesa em que estou apoiada, dificultando ainda mais a minha visão.
  
— Já possuo calos graças ao balé, Chaeng. Não faz tanta diferença — Posso sentir uma movimentação atrás de mim e imagino que a mesma está cruzando os braços, na posição de preocupação que eu bem conheço — Você não deveria estar aqui esse horário.
  
— E aonde eu deveria estar?
  
Ela estala a língua, claramente insatisfeita.
  
— Perto das pessoas que se preocupam com você, é claro — Mina diz com sua voz suave — Ande, levante-se daí.
  
Suas mãos cálidas agora tocam os meus ombros, como numa súplica. Se eu pudesse ler mentes, suponho que escutaria um "saia da fossa que se meteu, Son".
  
— Não quero ser um peso morto... E de qualquer forma estaria sozinha no meu apartamento, já que Dahyun está de férias na ilha de Jeju. Você sabe disso.
  
Desde que me mudei para Seul em busca de uma carreira artística melhor sucedida, Dahyun sempre esteve ao meu lado. Duas garotas apaixonadas pela arte, dividindo o mesmo imóvel. Tofu é como uma irmã para mim desde o colegial, é notório que a sua ausência está me deixando mais sensível que o esperado.
  
Ademais, minha família não me vê há meses. Certamente me encontrar neste estado não seria algo do agrado dos meus pais.
  
Mina continua me encarando, consigo sentir seu olhar atravessar as minhas costas.
  
— Não fale baboseiras, você vai dormir comigo hoje.
  
Depois de muito tentar esconder o meu rosto inchado pelo choro, me viro para a jovem com uma expressão de confusão.
  
Assim que meus olhos se encontram com a sua silhueta mal iluminada devido ao local, solto o ar dos meus pulmões num suspiro.
  
Me resgatando sem que eu ao menos procure ajuda. Esta é Myoui Mina, a que poderia ser chamada de anjo nas minhas poesias mais clichês, e isso não seria exagero.
  
Mas eu não deveria depender dos outros, não deveria me apoiar tanto.
  
Eu deveria sair dessa sozinha, não?
  
Até negaria a sua ordem, se a mesma me deixasse ao menos falar. Sinto-a agarrar o meu braço, e logo sou puxada para cima delicadamente. Mina me encara nos olhos, o semblante melancólico e preocupado, os olhos marejados. Me vejo em pé em sua frente, enquanto suas mãos macias tateiam o meu rosto.
  
Ela parece não se importar com minhas vestes sujas de tinta, o macacão jeans surrado acompanhado de uma blusa branca já manchada de diversas cores.
  
Eu me sentia de forma parecida antes de minha recaída. Colorida, livre, a arte era o meu refúgio. Tais roupas são o vestígio de uma Chaeyoung que existira.
  
Mina me fita no fundo dos olhos com o seu olhar intenso, cheio de sentimentos.
  
— Eu odeio te ver assim, Chaeyoungie — Sua voz embargou de repente — Não sei o que fazer...
  
— Não acho que você deva fazer algo, só eu posso sair dessa.
  
— Mas eu preciso ajudar, não quero te perder tão cedo.
  
Tal frase me acertou como um dardo em alta velocidade. Bem no centro do círculo, na maior pontuação provavelmente.
  
Touché.
  
— Você não vai me perder, Minari. Eu estou aqui, não é? Estou sendo forte — Esboço um sorriso melancólico.
  
E nesse momento, tentando decifrar tal olhar, me perco na imensidão do mesmo. Suas orbes brilham como galáxias, mostrando um pouco do seu universo particular.
  
Essa garota é como um universo inteiro para mim, tão preciosa. Um ser tão complexo e digno de admiração, guardando toda uma história em si.
  
Esse ser consegue abrigar toda a imensidão do universo.
  
Todas as crises existenciais pensando em grãos de poeira no espaço me parecem a maior baboseira por um momento.
  
E de repente, os pontos aos poucos se ligam em minha mente. Por pelo menos um segundo, as coisas voltam a fazer sentido para mim. Me sinto especial, importante sob o seu olhar.
  
As críticas já não pesam tanto. Minhas obrigações e preocupações menos ainda, e só sinto vontade de me abrigar em seu abraço pelo resto dos meus dias.
  
Umas das leis da vida é que nada é eterno. Contudo, minha mente parece ignorar tal regra sempre que a encaro nos olhos. O momento parece se eternizar por si só. Sinto como se tal jovem nunca fosse me deixar.
  
Eu tenho medo das coisas não darem certo, é claro. Medo de me despedaçar e de piorar minha situação, que já não é das melhores. Todos têm seus medos. Sinto receio do seu interesse sumir e de não conseguir ao menos me relacionar de forma mais profunda com a mesma. Mas se eu não me arriscar, e não aproveitar a sua companhia nesses tempos difíceis, irei me afundar ainda mais.
  
O amor nos deixa bobos, é algo certamente patético, porém poderoso. Tão simples que se torna complexo quando tentamos explicá-lo.
  
Mina acaricia as minhas bochechas, antes de se aproximar e depositar um selar casto em meus lábios. Sinto meu corpo relaxar instantaneamente, e me permito aproveitar o momento.
  
Somente o tempo presente importa quando estou com ela.
  
Com tal gesto de carinho, posso sentir o quão sou querida. Posso compreender boa parte dos seus sentimentos que não são externados. Enquanto seus lábios se movimentam sobre os meus numa dança singela, sinto todo o meu corpo estremecer.
  
A bailarina que me conquistou com seus movimentos suaves em suas apresentações, agora é a que me ajuda a me reerguer.
  
Talvez, aceitar ajuda não seja de um todo ruim.
  
Neste momento, graças ao calor dos seus lábios e a sua presença, sei que não estou sozinha.
  
E que a fraca chama que habita em meu interior vai se encher de oxigênio novamente, aumentando o seu fogo. A paixão que queima, seja ela por alguém ou por minha arte, por mim, ela voltará.
  
Como num ciclo.

Tears of ink | MichaengWhere stories live. Discover now