Deicídio

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            Quetzalpetlatl era parte, agora, da lista das pouquíssimas divindades vivas. Ela sentiu a maior parte das mortes, cada uma delas. As mortes dos deuses de seu panteão, as mortes de deuses de outros panteões. A maioria esmagadora deles estava fraca demais para tentar resistir e Tlazolteotl sabia disso. Os monstros que enviou foram implacáveis. Eles atacaram com ferocidade e foram implacáveis. Mas ninguém foi até ela. Porque eles queriam deuses, e ela já não tinha poder algum sobrando.

            Ouviu o som de algo se materializando em pleno ar, o que ela conhecia bem, pois no mundo dos deuses era normal ter divindades que voavam, divindades que se teleportavam, e aqueles mais “estranhos”, aqueles que apenas andavam. Levantou-se. Estava sentado em seu jardim, como de costume, o seu lugar favorito no mundo. Hesitou ao abrir a porta, mas quando o fez, lá estava ele.

            — Tezcatlipoca? — Ela perguntou assustada.

            — Eu vim lhe ver, Quetzalpetlatl. Não se importa se eu só entrar, não é?

            Ao terminar a frase, caminhou na direção da deusa, forçando-a a lhe dar passagem. Ele observou o jardim por um segundo e não gostou. Estava enojado com toda aquela vida.

            — Eu não gosto desse lugar — comentou.

            — É cheio de vida. E você é um deus morto!

            — Mas nunca me senti dessa forma. Eu, às vezes, sentia falta da vida, e de viver. Agora? Eu não sei, tudo parece tão... Aborrecido. Mas sem o sol, toda a vida irá morrer mesmo.

            Mesmo com medo, pois sabia que não poderia encarar o deus à sua frente nem quando estava no auge de seus poderes, Quetzalpetlatl decidiu que deveria encará-lo. Não sabia o que ele queria, mas não tinha nada a oferecer que ele já não tivesse arrancado dela no passado. Ela ainda se lembrava do que tinha acontecido, das coisas imundas que Tezcatlipoca havia tramado. E o pior foi ter lhe dado uma coisa que ela não poderia ter, ele a fez experimentar uma felicidade inacessível e depois tomou tudo dela.

            — Você ousa vir aqui depois de tudo que fez contra mim?

            — Mas o que foi que eu fiz, Quetzalpetlatl? — Tocou uma das plantas próximas a ele. Sua mão deixou uma marca cinza que se alastrou por todo o vegetal, matando-o. — Além de lhe dar o amor do seu querido irmão gêmeo?

            — Você nos embebedou pra que fizéssemos sexo! Foi tão baixo e desprezível da sua parte! — Respondeu.

            — Não, o problema foi você ter se apaixonado pelo seu querido irmãozinho, que só estava arrependido, jamais teria feito aquilo se não fosse por mim. Quetzalcoatl era sério demais.

            — Era... — Ela repetiu.

            — Sim. Ele está morto. Eu não tive nada a ver com isso, infelizmente, mas já com a sua morte eu terei alguma coisa sim.

            — Você não atreveria! — Ela disse.

            — Me atrever? — Tezcatlipoca se aproximou da deusa de forma ameaçadora. — Eu vou fazer muito mais. Você não tem fagulha alguma de poder em você. Será presa do Jaguar Negro.

            Avançando rápido sobre Quetzalpetlatl, ele a agarrou pelos braços e a encarou. A deusa pôde ver aqueles olhos amarelos e sinistros que brilhavam dentro do capacete de jaguar, o animal símbolo de Tezcatlipoca. Ele a olhou de volta. Dentro dos olhos do deus do caos só havia uma profunda e terrível escuridão. Os dois pontos luminosos amarelos eram apenas uma armadilha para os desavisados e corajosos.

O Triunfo do MalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora