A última Shangri-La

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            A noite já havia terminado, mas aquela longa batalha parecia longe de chegar ao fim. Haviam reagrupado. As pessoas da ilha estavam fracas e cansadas. Tlaloc tinha um imenso corte na sobrancelha, e alguns hematomas distribuídos pelo corpo, resultado do combate direto contra Mictlantecuhtli, poderoso como nunca antes. Já Huitzilopochtli, que dormia nesse momento, perdeu um braço no combate, mas o colocou no lugar e ele se fixou — e mais uma boa quantidade de poder foi gasta.

            — As coisas estão indo muito, muito mal. Terrivelmente mal. Não temos como vencer! — Lajic gritou.

            — Nós só temos que confiar nos deuses — uma mulher gritou ao fundo.

            Outras pessoas concordaram com ela.

            — Deuses? Os deuses estão sendo derrotados, por outro deus! Nós vimos, eles tomaram uma surra! — Lajic protestou.

            Tlaloc estava sentado ao fundo, apenas ouvindo. Pôs-se de pé e caminhou para o centro do grupo, na direção de Lajic. Dos tlacotlis criados por Huitzilopochtli, apenas quatro ainda estavam de pé — e dez corpos estavam espalhados pelo campo de batalha, mas havia muito mais corpos inimigos lá. O deus respirou fundo e sua voz saiu alta e clara, porém profunda.

            — Não vou mentir pra vocês, as coisas estão indo mal lá, vocês mesmos testemunharam. Lajic está certo, as chances estão contra nós.

            Quando ele disse isso, Lajic estufou o peito e sorriu com uma estranha sensação de vitória: ele estar certo era ruim, pois decretava também o seu fim, mas ele não se deu conta disso.

            Tlaloc continuou:

— Eu não posso mais pedir que derramem sangue por nós, vocês já estão fracos, e o próximo passo seria arrancar corações ainda pulsantes em dedicação aos deuses. Isso nos daria poder máximo, mas não estamos mais nesse tempo. Tudo o que podemos fazer agora é continuar lutando. E nós iremos. Mas vocês não irão. Refugiem-se novamente no centro da ilha e deixem que cuidemos de tudo. Vai ser complicado, mas agora é a hora da vitória. E se tem uma coisa em que os deuses são bons desde sempre, é conseguir alguns milagres.

Huitzilopochtli soltou uma risada enquanto se levantava. Conferiu o braço, que se movia quase perfeitamente.

— É isso aí, Tlaloc. Vamos lá juntar a bunda daquele deus da morte idiota. Afinal, somos dois contra um e não vamos nos esquecer de quem somos: você é o segundo deus mais importante do nosso panteão, enquanto eu sou o deus da guerra. Sabem o que isso significa, crianças? — Perguntou para as pessoas ao redor.

Alguns fizeram que não com a cabeça, outros sequer se deram ao trabalho de responder. Mas todos, sem exceção, esperavam a resposta.

— Isso significa que estamos na vantagem aqui — disse.

Tlaloc suspirou.

— Huitzilopochtli, só para de falar merda e vamos lutar, sim? Obrigado.

— Mas é claro.

Huitzilopochtli acenou sorridente e seguiu Tlaloc, que se retirou sem dizer mais nada. Os tlacotlis foram logo atrás deles, seguindo-os a uma distância respeitosa. Eles não eram como os tlacotlis de Quetzalcoatl, Serpente e Pássaro, não tinham muita personalidade, tampouco conversavam com seu deus — a menos que fossem requisitados para isso. Eles eram guerreiros. Pura e simplesmente guerreiros.

Tlaloc desviou uma planta da direção de seu rosto virou o rosto levemente na direção de Huitzilopochtli:

— Não tem como sobrevivermos a isso.

O Triunfo do MalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora