Um herói cai

13 1 0
                                    

            Eles dirigiram sem parar durante todo o dia. Chegar a Brasília era imprescindível, derrotar Tlazolteotl, necessário. De noite, decidiram que dirigiriam por mais um tempo, mas Serpente estava cansada e trocou de lugar com seu irmão: ele dirigia, Quetzalcoatl dormia, Campeão olhava as poucas estrelas que brilhavam no céu, Serpente e Fernando conversavam.

            — Essa coisa de tlacotli... O que vocês são, afinal? — Ele perguntou.

            — Tlacotlis são escravos usados em sacrifício. Os humanos nunca souberam disso, mas os deuses tinham um tipo especial de tlacotli, que eles usavam como seus guerreiros celestiais. Eu e meu irmão somos assim. Quetzalcoatl usou uma cobra e um canário pra trazer nossos espíritos para esses corpos. Acho que você é o primeiro humano a saber da nossa existência.

            — Entendo...

            Fernando ajeitou os cabelos e olhou para cima, para o mesmo céu que seu cão contemplava. Muitas ideias passavam pela sua cabeça, mas não sabia bem o que fazer.

            — Mas e essas pessoas? Sabe, essas de quem vocês estão usando os corpos.

            — Você não vai querer saber — foi tudo o que ela disse.

            — Ah...

            Ele olhou para seus próprios pés, depois para o alto de novo. Havia algo mágico na imensidão escura do espaço. Algo que fazia todas as crianças sonharem em ser astronautas quando crescerem. Como o filho de Fernando, que nunca mais voltaria a sonhar, pois estava morto.

            — É de lá que nós viemos — Serpente disse.

            — aonde?

            — Lá! — Ela apontou para o céu. — Nós viemos do espaço.

            — “Nós”?

            — Os deuses astecas e nós, seus espíritos escravos.

            — Ah! Esse nós...

            E assim o assunto encerrou, pois para Fernando era curioso demais pensar que não estava andando apenas com um deus, mas que também era um alienígena. Isso respondia tantas perguntas, mas também fazia surgir tantas outras...

            O carro começou a parar e Quetzalcoatl acordou com um susto. Pássaro apontou para uma casa deserta.

            — Que tal passarmos a noite ali, chefe?

            — Precisamos continuar — foi sua resposta.

            — Mas precisamos descansar. Já estamos na metade do caminho, o que mais pode acontecer? Chegamos lá amanhã, mas hoje precisamos mesmo de uma folga.

            Quetzalcoatl sabia que tinha muito para acontecer no dia seguinte, antes de tudo estar acabado. Muitos acontecimentos que mudariam drasticamente o rumo da guerra. Porque ele pode não ver o futuro, mas calculou tudo muito bem.

            — Está bem então, vamos parar aqui.

            Avisou aos demais passageiros na traseira da picape, que ainda estavam sem entender o que acontecia. Pássaro parou o carro em frente a casa que indicou e pulou pra fora da cabine.

            Todos os outros o acompanharam. Primeiro precisavam ver se a casa tinha hóspedes indesejados — embora o deus já soubesse que não, depois uma boa noite de sono. Ou pelo menos dormir o máximo que fosse possível. Aquela noite, como todas as outras desde o Dia Triste, seria turbulenta, caótica... Mortal.

O Triunfo do MalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora