Recomeçar

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[Re. Co. Me. Çar. - verbo transitivo direto e transitivo indireto]

Começar de novo; refazer depois de interrupção; retomar.

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Acaricio a pasta de plástico em meu colo, meus dedos indo e voltando por suas elevações, brincando com o elástico. Puxo um pouco e então volto a me retrair. Deixo-a como está por um segundo ou dois, mas estou ansioso demais para não ceder à tentação de usar o simples objeto como passatempo, um distrator para o caminho de volta que me parece o dobro do percurso que nos levou ao hospital.

Dentro dela estão os papéis que podem mudar total e drasticamente tudo... alterar para sempre essa situação. Nunca antes para mim folhas impressas tiveram tanto significado, mas agora é como se elas fossem uma versão maior de tudo aquilo que eu um dia considerei importante; como se as almofadas de Van Gogh e os desenhos no teto do antigo quarto de Hee, minhas tintas de aquarela e texturas para cabelo, meu portfólio de desenhos e a manta fofa que tenho desde bebê - todas essas coisas se fundissem e dobrassem a sua influência sobre mim, na forma de folhas impressas de papel. Sorrio sozinho, dedilhando a superfície de plástico, lendo mais uma vez o cabeçalho da primeira página, visível para mim pela transparência do meio que as protege e abriga.

Hospital Geral de Seoul.
Divisão Médica Oncológica.
Seoul, 15 de fevereiro de 2019.

Do médico responsável, doutor Im Jeongin. Sobre a paciente Lee Siyeon, relativo à solicitação de testagem para a doação de medula óssea, pelo requerente Lee Taeyong...

Logo abaixo, uma descrição tão ou mais detalhada do que a me foi feita por Seonghwa, segundos depois de minha fala. É verdade que ele levou seus minutos para absorver as minhas palavras, mas não muito depois se moveu, sentando-se ao meu lado e chamando minha atenção para si com um pigarro baixinho; voltei-me para ele, novamente desviando os olhos para o chão, me mantendo atento no que dizia ao máximo que pude. Aparentemente, meus cinco minutos de coragem reunida tinham se esvaído, e o apelo irresistível que o piso branco polido exercicia sobre minha visão estava mais uma vez lá, cantando para mim como uma sereia da Odisséia. Eu odiava o livro, mas gostava de algumas pequenas coisas nele, aqui e ali. Como as sereias. Como o fato de que tudo acabava bem para Odisseu no final. Tudo sempre acabava bem nas histórias, isso as fazia serem melhores do que a realidade.

Seonghwa pareceu não saber bem como começar, e tiro essa dedução do fato de que ele estava cruzando e descruzando as mãos repetidas vezes, entrelaçando e relaxando os dedos, como se não soubesse o que falar. Faço muito isso. Na maioria dos casos, apenas desisto de construir uma linha de raciocínio e rezo para que as pessoas captem o sentido do que quero dizer, como elas repetidamente me obrigam a fazer sem ao menos perceberem. É tão exaustivo tentar adivinhar o que querem, quando elas não colocam as palavras certas em uma frase... penso que se todos fossem mais gramaticalmente corretos, diretos naquilo que desejam, então tudo se tornaria um pouco mais fácil para eu desvendar. Felizmente, nem Hwa nem Hongjoong pareciam muito dispostos a jogar adivinhações ou qualquer coisa do tipo, porque logo mais falaram, suas vozes vacilantes como se temendo uma reação negativa minha. Sou a pessoa mais pacífica que conheço. Mas eu não conheço bem muitas pessoas...

- Não é tão simples assim, Taeyong. - começou o mais velho, e embora eu não olhasse diretamente para o seu rosto sabia que ele estava olhando para mim. Seus olhos pesavam sobre meus ombros como pesos de uma tonelada. - Para começo de conversa, você precisa ser compatível com ela. Precisamos de compatibilidade total para assegurar que o organismo dela não rejeite a medula e isso acarrete problemas mais sérios... - sua voz tornou-se um tanto mais arrastada nesse ponto. Tristeza, talvez? Às vezes não consigo distinguir muito bem as emoções, também. Mas talvez fosse receio... medo...

Epitáfio×2×LeeWhere stories live. Discover now