Diagnóstico

1 0 0
                                    

[Di.ag.nós.ti.co - substantivo masculino]

Determinação de uma doença a partir da descrição de seus sintomas e da realização de diversos exames.

_______,,_______

Não tive coragem de me aproximar, e perguntar o que ela fazia ali. Primeiro, porque era muito óbvio que tinha ido ver um túmulo e segundo que ainda não tinha esse direito... de me intrometer tanto na vida dela. Eu sequer sabia seu nome. Como poderia me aproximar e fazer uma pergunta como essa? Não podia.

Ergui-me do chão, batendo a sujeira de minha roupa e me despedindo em silêncio de minha irmã, recuando tão rápido que meus pés se embolavam, meus passos se sobrepondo uns aos outros e quase me levando ao chão uma boa quantia de vezes; não conseguiria contar o quanto tropecei, no caminho de volta até o portão do cemitério onde o motorista me esperava. Pareceu-me muito errado que tivesse de sair às pressas, mas não havia mais nada que meu cérebro me mandasse fazer. Eu precisava ir... não me sentia mais confortável com o cemitério... não parecia sequer meramente agradável que eu estivesse ali... Então decidi ir embora.

Não me foram feitas perguntas no caminho de volta para casa, e algo em mim agradecia pelo silêncio daqueles momentos. Chegar era sempre uma rotina de ânimos exaltados, na maioria dos casos me magoava a indiferença e a frieza que me recebiam na soleira da porta, mas isso era somente quando eu me esquecia de como era de fato lá dentro. Minhas pernas ainda estavam meio moles, e embora meu rosto permanecesse voltado para o chão, eu continuava a me embaraçar em mim mesmo; as escadas eram sempre desafios, quanto mais se eu estivesse perdido como era costume, como parecia ser a especificação da vez. Tentei engolir o que estava em minha garganta, me concentrando em não cair enquanto subia os lances que me separavam do andar de meu quarto. E sempre que estou aqui, é automático.

Fechar a porta, passar a chave para não ser incomodado, largar a mochila no canto que lhe pertence - no caso, um gancho preso à parede ao lado da minha escrivaninha. Tenho horror a deixá-la pelo chão, uma vez que nunca sei quem esteve aqui e em quais condições antes de eu chegar. Os sapatos recebem um destino parecido, e me arrependo de não tê-los tirado antes de entrar porque agora percebo os pedaços de grama e bolinhos de terra presos entre as reentrâncias do solado; suspiro, deixando-os em seu canto, fazendo uma anotação mental de limpar o cômodo inteiro depois...

Se eu não me esquecer antes, é claro.

E todo o restante é muito monótono. Despir o uniforme, evitar o espelho enquanto entro no banheiro e me meter debaixo da água quente... esquecer as coisas, ainda que por pouco tempo, é o maior benefício de um banho morno. O vapor d'água embaça o vidro do box, e antes que eu perceba meus dedos estão sobre a superfície fria, traçando linhas que de alguma maneira convergem para pontos certos apesar do vazio em minha mente. Sabe quando você se esforça muito para não pensar em nada, e para isso acaba enchendo sua mente com uma tela em branco? Eu sinto isso... sinto em vários momentos do dia. As vezes penso que sou como essa tela em branco. Um distrator, algo que se usa para compensar um objetivo impossível, uma coisa que não se pode alcançar. Não dá para não pensar em nada, mas mesmo com essa ciência nós continuamos tentando... E acabamos sempre na tela em branco. Eu me vejo muito como uma tela em branco.

Não há nada em mim... E ao mesmo tempo, existe tudo. Tudo, de uma maneira tão caótica e estranha... está tudo aqui, eu sinto... mas parece errado... as coisas estão no lugar errado. E elas se anulam, como pela lei de matéria e anti-matéria... é como eu me torno uma tela em branco.

O acidente me fez ter essa perspectiva, porque nos dias que se seguiram... ao longo de todos os primeiros meses, na verdade... eu via as pessoas convergirem para mim, sem saberem elas que eu sabia que buscavam algo que estava muito além. Há essa mania ou esse instinto, de se distrair com alguma coisa enquanto se espera o resultado de outras; vinham a mim, e eu sabia que estavam loucas com o que tinha acontecido, que estavam incrédulas e revoltadas. Me ver parecia um choque de realidade, a verdade gritava em seus ouvidos e dançava diante de seus olhos quando as me viam, viam o meu estado. Elas sabiam que era real. Então me colocavam à frente, depositando toda a sua atenção sobre mim na esperança de que eu fosse sua tela em branco, para que não tivessem mais pensamentos. Sabe o que acontece quando você percebe que sua mente não está vazia? Você se livra da tela em branco. Eu era a tela em branco... foi de mim que eles se livraram... ou quase todos eles.

Epitáfio×2×LeeDonde viven las historias. Descúbrelo ahora