Pesadelos de Helena

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     Mais uma noite e o relógio despertava no famoso horário do diabo. Helena acordava todos os dias às três da madrugada para tomar seu remédio. Ela era vítima de alguns distúrbios, descobertos na infância, e desde então precisava tomar suas pílulas de seis em seis horas. Todas as noites tinha pesadelos diferentes. Os médicos diziam ser parte do distúrbio, mas alguns médiuns atestavam que a garota possuía um dom único de comunicação com outras dimensões. Eram especialistas em casos como o dela. Foram recomendados por terem mostrado grande evolução espiritual em outros jovens que tinham os mesmos sintomas. Sua mãe já havia recorrido a tudo para livrá-la do terror noturno do cotidiano, mas nada resolvera. Ninguém tinha uma solução. Talvez, com o tempo a menina se acostumasse. A esperança era que conforme a idade avançasse, ela parasse de ficar impressionada com seus sonhos.

     Cada ano que passava suas noites eram piores, cada dia acordava de uma forma diferente. As cobertas enroladas em seus pés como algemas, travesseiros jogados para longe da cama, lençóis pendurados no ventilador.

     – Volte a dormir filha. Tudo vai ficar tranquilo – Disse Sônia, tentando acalmá-la. Ela obedeceu.

     Helena estava em seu quarto, levantou de sua cama e viu que algumas coisas haviam mudado ao seu redor. Sua parede delicada, cor salmão, mudou para uma textura diferente composta por pedras. Sua porta de madeira se tornou metalizada e em seu contorno existiam pontos verdes parecidos com olhos. A menina fingiu não estar vendo nada, se enrolou nas cobertas e fechou seus olhos, mas continuava mantendo seus ouvidos atentos a qualquer barulho. Ouvia vozes dizendo as piores coisas que se possa imaginar, fazendo ela sentir-se perturbada. A garota começou a pôr a mão nos ouvidos na tentativa de não escutar nada daquilo e seguir com sua paz. Sem sucesso. As vozes saiam de dentro de sua cabeça e cada vez ficavam mais altas. Começaram a dar risadas, cochichar coisas incompreensíveis e ela resolveu correr.

     Quando tirou as cobertas de sua face, viu alguém parada em sua frente. Uma mulher vestida de preto e sua capa cobria sua cabeça. Ela bloqueava a porta, a única passagem que a menina teria. O desespero foi tão grande que a garota pulou da janela. A queda foi longa levando em conta que estaria no segundo andar de seu prédio. Antes de tocar o solo, tudo abaixo se tornou lava e fogo. A garota se via no próprio inferno. Prestes a cair no mar de morte, acordou. Desta vez estava molhada de suor, sentia um calor fora do comum, suas cobertas estavam empilhadas a beira da porta com travesseiros em cima, dando forma a silhueta da mesma mulher que viu em seu sonho. Se levantou exausta com dores em todos os músculos de seu corpo.

     Em uma nova consulta aos médiuns, falou sobre este sonho. Disseram que seu espírito fora a alguma das dimensões baixas, onde ficam as almas más.

     – Sugaram todas as suas energias, por isso todo esse cansaço e dor. Há algo na casa que está perturbando vocês. A menina é o ser mais debilitado espiritualmente, a mais fácil de se tornar hospedeira. Cuidem-na e façam orações em conjunto antes de se deitarem. – Todos rezaram em círculo chamando todas as proteções espirituais que poderiam para guiar a menina. A mãe seguiu os conselhos e lavou toda a casa com um balde de sal grosso e água.

     Mais uma noite chegava e desta vez, após tomar os remédios, todos se reuniram para rezar e pedir bênçãos antes de se deitarem. Helena se pôs ao meio de todos que ficaram a sua volta formando um círculo.

     – ...E que assim seja, amém. – Finalizou Sônia.

     – Amém. – Disseram Pai, irmão, tio, tia e prima, em conjunto. Todos seguem para seus quartos e esperam ter uma ótima noite de sono.

     A menina se vira de um lado para o outro, rola na cama durante alguns minutos com medo de fechar os olhos e se deparar com mais alucinações.

     – Tio, o que faz aqui? – Seu tio estava próximo a porta, abaixado, com algumas velas acesas no chão em algo que parecia ser um altar. Ela se perguntara como conseguiu montar algo daquele porte em tão pouco tempo.

     – Fique tranquila querida. Eu estou apenas fazendo o que é necessário. – Respondeu ele em um tom bastante sério e assustador. Claro que a garota não conseguiria fechar os olhos desta forma. Não parava de encará-lo.

     – Se você não ficar quietinha eu farei você ficar! – A ameaçou. E com medo a garota apertou suas pálpebras na intenção de que o sono chegasse mais rápido. Certamente aquele não era seu tio. Era um homem carinhoso e sempre a acolheu muito bem.

     – Helena, Helena, Helena... – Ouvira, outra vez, mil vozes cochichando por seu nome. Abriu os olhos e já não estava mais em seu quarto.

     Se encontrava em um lugar escuro, a seu redor só existia mato, algo como um milharal gigante. Conseguira ver alguns rostos passando por trás das plantas. Parecia estar em um labirinto de folhas verdes. Sua cama estava intacta, como se tivesse sido transportada àquele lugar. Nenhum plano passava por sua cabeça. A garota resolveu andar o mais silencioso possível. Passos curtos, sem respirar ofegante, mesmo estando nervosa e com medo.

     Seguindo uma trilha marcada no chão, andou até suas pernas começarem a doer. Não importa o quanto se movesse, ela não saia daquela região. Era um labirinto muito bem elaborado, somente alguém que saberia todos os seus passos poderia tê-lo desenvolvido. Voltou então a sua cama e fechou seus olhos firmemente. Assim que abriu pode ver que estava em outro lugar. Estava em um cômodo fechado. Tudo a sua volta eram algumas estantes com itens cortantes. Olhou para baixo e percebeu que estava presa, de pé. Seus tornozelos e pulsos trancados em uma placa de metal. Começou a sentir a presença de mais alguém no ambiente. Viu a silhueta daquela mulher, coberta pela mesma capa escura. Desta vez, mais perto, reparou em cabelos castanhos saindo da capa, mas seu rosto ainda era um buraco negro, impossível de ser visto. A senhora vinha em direção a Helena, trazendo um bisturi consigo. A menina entrara em pânico. Gritava, chamava por socorro, chorava. O bisturi se aproximava de sua face e então recebeu seu primeiro corte, que começava em seu queixo e seguia em linha reta passando ao lado do olho e terminando um pouco acima da sobrancelha. Não era uma ferida profunda, mas a dor certamente era intensa. Ela gritava enquanto o bisturi rasgava sua pele.

     – O que é isso Helena?! – Sônia gritou ao ver a menina ainda sonâmbula ferindo o próprio rosto com uma faca. A menina começou a chorar e abraçou sua mãe.

     – Não fui eu que fiz isso, eu estava amarrada e havia alguém me cortando. – Repetia ela em lágrimas. Sua mãe deduziu que seus distúrbios estavam cada vez piores. Precisava dizer tudo isso aos médicos que acompanhavam seu caso.

     Os doutores já não sabiam mais quais remédios dar para ela. Pediram autorização para colocar a menina em observação, no quarto da psiquiatria, sob efeito de um remédio poderoso para que seu corpo adormecesse e conseguisse uma noite tranquila de descanso. O quarto era totalmente trancado, tudo era branco. Paredes e pisos acolchoados para evitar machucados.

     A nova noite chegou e a garota tremia de nervoso por medo de adormecer. Somente ela sabia o que acontecia em seus sonhos. Todos estavam atentos em outra sala, vendo tudo que acontecia no quarto, pela câmera minúscula que passava despercebida por qualquer pessoa que estivesse na sala. A visão de Helena começara a ficar confusa. Alternando entre realidade e sonolência. Seus olhos pesavam. Uma breve piscada e a moça de capa já estava ao lado dela. Desta vez seu rosto era nítido. Parecia ser irmã gêmea de Helena. As duas eram exatamente iguais, incluindo a cicatriz de corte causada na noite anterior. Parecia estar incrivelmente mais forte e apenas chegou ao lado da menina e a segurou pelo pescoço. Helena suplicava e gritava, mas nada acontecia. Ninguém era capaz de ouvir algum ruído, já que aquilo só estava acontecendo no mundo dos sonhos. Os médicos seguiram tranquilos vendo a menina dormir como um anjo, mas do outro lado ela já estava prestes a dar seu último suspiro e como se fosse pó, Helena desapareceu.

     Após essa noite, assim que o corpo da menina se levantou, os psicólogos e psiquiatras disseram que ela recebera alta. Acordou perfeitamente bem, sem nenhum sinal de distúrbio ou qualquer outro problema psicológico. Seus familiares a receberam com muita alegria e comemoração, mas Helena não estava mais ali e seu corpo já havia sido dominado por outro ser de algum outro lugar.

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