Me aproximo com cuidado e a única coisa que passa pela minha cabeça é Davi.

Mas pode ser José. A sua perna pode ter o matado.

Pode ser muitas coisas, milhares de coisas.

Prendo a respiração e seguro a pistola com mais força. Só tenho isso para me manter centrada.

Seus olhos estão fechados, sua boca está rígida, carrega uma tonalidade pálida e uma expressão vazia. Meus joelhos se chocam contra o chão e abraço o corpo morto. Eu não consigo acreditar! Ele está perfeito e carrega a calmaria que encontrei na primeira vez que o vi. Seu cabelo está mais preto do que eu lembrara e suas bochechas mais rígidas. Me sento no chão, ao lado dele e coloco-o sobre minhas pernas. Segurando-o como se fosse um bebê, frágil e indefeso.

Me desculpa por não estar aqui. Passo minha mão, que treme descontroladamente, pela testa dele retirando uma mecha da frente para conseguir visualizá-lo melhor. Eu não sei o que aconteceu, eu não sei o que aconteceu... Percebo só depois a fratura atrás da cabeça dele, como se tivesse se chocado contra algo pontiagudo. Essa deve ter sido o motivo da morte. Achei que já tinha chorado o suficiente e que nunca mais faria isso novamente, mas estava errada, logo lágrimas começa a cair sobre o rosto dele, molhando-o. Eu deveria estar com você.

Lembro-me que a última vez que falei com ele foi numa discussão besta e me culpo mais ainda. Lembro do nosso momento único preso naquele quadrado no corredor da mansão, de nós dois tomando banho no rio, da minha declaração e da nossa noite no beliche, do seu sorriso enorme, da sua bondade, da sua beleza natural e de todas as vezes que ele lutou pelo o que acreditava.

Katarina estava certa. José fez isso com você, ele enganou todos nós. Choro cada vez mais e nem consigo entender pelo o quê necessariamente. Eu não quero acreditar nisso, não quero acreditar que fui tão tola, tão ingênua e tão fraca, mas é inevitável. Só tinha nós três dentro da cabana e José me empurrou para o precipício sem nenhum motivo aparente. Ele sempre foi o traidor.

Sinto frio. Sinto dor. Sinto fome. Sinto medo e pavor.

Katarina sempre esteve certa, sempre esteve certa, ela tentou me avisar. Eu não acreditei.

Eu quero morrer.

Meu choro agora é alto e desesperado, eu não me importo dele me escutar e vim tentar me assassinar, eu já não tenho mais nada. As lagrimas escorrem sem parar, esse laboratório vai ser inundado, grito, me esperneio e tremo sem controle. Estou com a pessoa que eu amo morto nos meus braços, presenciei minha amiga levar um tiro na cabeça e não mexi um dedo para impedir. José matou Thaís e foi um dos principais fatores para a morte de Nícolas. Ele sempre foi o traidor, desde quando acordamos na mansão. Ele deu um jeito de passar despercebido, de conquistar a confiança de todos já que, aparentemente, estava em coma quando a maior parte da loucura que acusasse ele aconteceu. Aproveitou das intrigas dos outros para instaurar suas raízes podres e enganar todos, fazendo cair um por um. Até me sobrar.

Quero me levantar e fugir desse lugar com Davi nos meus braços, mas eu não sinto minhas pernas e nem consigo controlar a minha mão. Eu matei Katarina, ela sempre confiou em mim e na primeira oportunidade eu virei as costas para ela, eu cometi um erro enorme, eu sinto muito. Eu sinto muito.

Soco o chão com meu punho direito, disparado, diversas vezes, até arrancar sangue e rasgar minha pele. Por frações de segundo fico furiosa, quero matar José a qualquer custo. E repentinamente isso se esvaíra para um sentimento de dor, luto e perda. Eu não quero apenas matar José, eu quero acabar com esse lugar, eu quero destruir quem criou esse show de horrores, eu quero reduzir a pó a vida de todos que me fizeram passar por esse martírio. Eu quero me vingar por Davi, Katarina, Thaís e até por Nícolas. Eu quero chorar, eu quero me deitar e nunca mais abrir os olhos, eu quero lidar com todo o sofrimento congelada em uma posição fetal. Eu quero morrer.

Apreciados A Ascendência do Traidor [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now