Capítulo 8 - A apresentação

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A viagem no geral tinha sido tranquila, tirando o fato de que Dulce sentia que algo ruim ia acontecer a todo momento. Gabriel tentava chamar atenção para outros assuntos, para a cantoria das crianças, para as coisas engraçadas que elas falavam. Entretanto, quando havia qualquer momento de silêncio um pouco mais prolongado, Dulce podia ouvir o som do choque e da lataria amassada cada vez mais alto em sua mente. E depois nada. E isso ia e vinha, como se estivesse de fato acontecendo.

O caminho até a Capital não era tão longo assim, apesar de parecer. Quando menos esperavam, os grandes prédios e empresas cresceram diante dos olhos deles, e oficialmente, haviam chegado. Alguns lugares começaram a ser relembrados por Dulce à medida em que iam atravessando as avenidas principais, indo em direção ao local do concurso.

Foi então que Dulce avistou. Era um antigo teatro. Parecia desativado atualmente, mas foi naquele prédio que aconteceu o evento que tanto falava Robert. Ela viu passar frente aos olhos flashes daquela noite: o tapete vermelho, as fotos, as entrevistas. Até pode visualizar a roupa que usava nesse dia. Manteve os olhos fixos no lugar enquanto esperavam o semáforo permitir a passagem, não percebendo que Gabriel tentava chamar novamente sua atenção.

— Dul? — ele chamava pela quinta vez, finalmente tendo a percepção de que ela havia escutado. — Esse lugar você conhece?

— Eu já estive ali algumas vezes... — Ela não quis expor para Gabriel qual havia sido o evento. Não ainda. Ele não sabia que ela tinha ido se encontrar com Robert e teria que explicar toda a história se falasse algo além disso. — Era um teatro antigamente.

— E te faz lembrar de alguma coisa do seu passado que ainda não lembrava?

— Alguns flashes, apenas...

Ele não perguntou mais, entendendo que ela não queria falar sobre isso. O ônibus prosseguiu, andando mais algumas ruas até que estacionou. Eles estavam em uma área aberta onde uma estrutura tinha sido montada e muita gente já se agrupava em frente a um palco grande. Podiam ver dali o que Dulce sabia que era o camarim onde as crianças se arrumariam logo atrás desse palco, e mesas e cadeiras dispostas à entrada, como ela sabia que haveria, para a confirmação da inscrição.

Os adultos que estavam acompanhando o coral se organizaram antes de agrupar as crianças. Com uma lista de nomes já em mãos, Margaret colocou os meninos em fila e pouco a pouco foram descendo do veículo. Dulce e Gabriel foram os últimos a sair. Ela sentia um tremor nas pernas, como se nunca tivesse estado em um lugar como aquele, porém sabia que vinha da adrenalina de de finalmente voltar. Afinal, eles tinham razão. Ela sentia falta de tudo aquilo.

— Pronta? — Gabriel perguntou.

Ela assentiu lentamente.

Dulce avistou Margaret, que já fazia a confirmação da inscrição, checando criança por criança com a mulher que se sentava à sua frente. Ela parou ao lado da diretora no momento em que a moça perguntava quem seriam os acompanhantes das crianças lá dentro, já que seriam permitidos apenas cinco adultos. A mulher arregalou os olhos quando a viu, mas discretamente não fez nenhum comentário, voltando o olhar para o papel e anotando cuidadosamente os nomes ditados na folha de inscrição.

A recepcionista orientou ainda que, assim que todos estivessem devidamente identificados com os crachás, poderiam entrar no camarim e começar a se arrumar e se preparar para a apresentação. E assim tinha sido feito. Margaret e Dulce distribuíram as identificações a todas as crianças e orientaram os outros adultos que fossem buscar um local na platéia para assistirem. Depois disso, as duas, acompanhadas por Jorge e mais dois professores, atravessaram a porta com as crianças.

Era tudo como ela se lembrava. A estrutura montada com panos e ferros, criando um local que facilmente poderia ser desmontado depois do evento, era como um labirinto de salas e corredores, marcados com folhas de papéis com setas e dizeres. Eles buscavam os camarins e seguiram as setas verdes, chegando a uma sala ampla com várias portas que separavam as crianças por meninos e meninas, e os adultos por homens e mulheres. Tudo ali era muito familiar para Dulce, inclusive a voz que gritou seu nome assim que ela entrou logo atrás dos meninos.

Uma chance para recomeçarWhere stories live. Discover now