Capítulo 2 - A convocação

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    A noite normalmente era pior do que o dia. Dulce acordou, pela sua surpresa, durante a madrugada com pontadas excruciantes no quadril. Ela sabia que isso poderia acontecer, era inclusive bastante comum, mas sempre se assustava e se surpreendia com a intensidade da dor. Era assim há dois anos já, desde que realmente voltou para a casa.

No começo, quando se sentia assim, chamava por ajuda a quem estivesse perto, pedindo para que buscasse o medicamento que sumia magicamente com a dor ou para que a levasse para o hospital, dependendo da gravidade. No último ano, no entanto, tinha estado frequentemente dolorida como se a ferida ainda estivesse aberta e pulsante e não queria incomodar ninguém como já havia feito por muitas vezes. A opção encontrada nesse caso era permanecer quieta na mesma posição que seu fisioterapeuta havia ensinado, até que a dor abrandasse e ela pudesse voltar a dormir.

Havia outros dias em que a dor nem se dignava aparecer, dando a falsa ideia de que tinha ido embora de uma vez, mas nesta noite não era o caso. Suspirou baixinho, perdendo a paciência com a situação, tentando fazer o exercício de buscar alguma coisa boa em que pensar e a única que podia encontrar era que o dia seguinte era sábado e não tinha nenhum compromisso de fato, exceto o almoço com a família de Gabriel.

Enquanto pensava no almoço do dia seguinte tentando não dar atenção para o quadril, sentiu uma mistura de tristeza com esperança. Essa seria a oportunidade de providenciar a presença de avós na vida de Luísa, uma vez que não podia contar com sua própria família para estar com ela. Relembrou alguns poucos momentos que estavam perdidos em sua memória em que via a relação de seus pais com suas sobrinhas. Luísa não teria isso. Teria que criar um vínculo com a família do possível padrasto. Dulce se preocupava que não fosse o mesmo.

Quando Dulce conheceu Gabriel, ele soube que ela estava grávida e relatou não se importar, disse gostar de crianças e, desde que a filha nasceu, tem estado próximo como prometido. Sua família conhecia o fato de Dulce ter uma filha, mas Dulce achou melhor dar um tempo para que eles se acostumassem com a ideia de ter uma criança que não tinha laços sanguíneos com eles antes de se aventurar incluí-los na vida de Luísa. Em uma última conversa, chegaram à conclusão que já era tempo de Luísa poder desfrutar de ter avós, ainda que fossem postiços. Os sogros sempre perguntavam da menina e ouviam com prazer as histórias sobre coisas incríveis que ela fazia, desde frases engraçadas, até peraltices da criança. Era hora de ter esse contato.

Todas essas questões a preocupavam e isso sem contar a possibilidade de estar presente no concurso das crianças. Isso a incomodava mais que o contato da filha com os sogros. Pelo que podia lembrar, na capital era conhecida por todos e uma simples aparição num evento faria com que a mídia falasse dela, poderia ser que até a encontrassem e a pressionassem a falar sobre tudo. Fora a falsa esperança que isso daria à sua família, que provavelmente ficaria sabendo de sua presença e a procuraria também. Tudo isso causaria um monte de boatos sem sentido e as pessoas falariam barbaridades sobre ela, sem nem saber o que acontecia realmente.

Ela repensou esse tema por horas, fugindo da dor, até que viu o sol sair e dar sinais pela janela. Queria se levantar para tornar esse tempo mais eficiente, mas não tinha vontade de apoiar o corpo em cima de uma área ainda tão instável como estava o quadril. Novamente pensou em como não queria pedir ajuda a ninguém, mas talvez fosse o caso de procurar os profissionais e receber o medicamento de uma vez. E o deslocamento até lá só faria piorar a situação.

Ainda deitada, observando a filha despertar com calma na cama ao lado, ela chegou a uma conclusão que parecia ainda melhor: poderia transferir o almoço para sua casa. Essa era, inclusive, a proposta antes dos sogros a convidarem. Dessa vez seria improvável que ela saísse de casa: não conseguiria passar nem dez minutos sentada na mesma posição para chegar até o endereço. Viu que a filha se levantava, olhava para ela, porém não a chamou. Saiu do quarto e, em seguida, Dulce pode ouvir ruídos vindos da cozinha, onde provavelmente Jorge ou Paola já recebiam a pequena.

Uma chance para recomeçarWhere stories live. Discover now