Capítulo Um

264 24 8
                                    


Evan

Quando vivemos no inferno, as únicas coisas que nos mantêm vivos são as memórias e a esperança de que tudo não passe de um terrível pesadelo. As memórias são parte fundamental de todo o processo, são elas que nos mostram o quão maravilhosa nossa vida era. Que tudo aquilo que sempre dizíamos odiar, era justamente o que tornava nossas vidas incríveis e únicas. E bem, quem diria que até ter que acordar cedo para ir pro colégio e encarar o temível ensino médio e as responsabilidades de estar crescendo, era algo bom. Que tomar sol e ir para o centro só para não fazer nada, era incrível. E agora? Vamos apenas dizer que agora tudo se tornou cinza e vazio, e que todas essas lembranças parecem um paraíso inalcançável.

Sabe, eu juro por tudo o que é mais sagrado, que adoraria que essa fosse uma daquelas histórias, tipo da Disney, que tudo começa horrível e no final acaba tudo bem, e todos os personagens vivem felizes para sempre. Mas, infelizmente, não é. E estamos muito longe de viver um conto de fadas. Estamos vivendo um terrível filme de terror em que a humanidade está finalmente caminhando para o seu extermínio. E não há como voltar.

A morte desceu do céu, no que eu posso chamar de "Um espetáculo Magnifico", em um fim de tarde. Foi a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida. E digo isso com sinceridade. Até hoje me lembro claramente daqueles pontos luminosos que desciam lentamente do céu. Era como se todas as estrelas estivessem caindo ao mesmo tempo. Causando um efeito hipnotizante em todos nós. E quanto mais elas se aproximavam, notávamos que se tratavam de esferas que mudavam de cor. Emitindo uma luz tão forte que era capaz de iluminar metade do bairro com só uma delas. Só que, como eu disse, elas traziam muito mais do que beleza.

Todas as pessoas que eu conhecia e amava estão mortas. Seus gritos continuam a ecoar na parte mais profunda do meu subconsciente. As lembranças de ver todas aquelas pessoas sendo consumidas pelo fogo ainda me faz ter pesadelos, que me fazem acordar gritando no meio da noite. O que me leva a refletir sobre o quanto é doloroso morrer.

Mas isso não significou o fim da humanidade. Pelo contrário, muita gente sobreviveu ao ataque. Os países se uniram e tentaram lutar contra os invasores. Só que, bem, eu disse que isso aqui não era uma história com um final feliz. O restante da humanidade que tentou lutar morreu de um jeito que eu prefiro não comentar. Mas até que lutamos bem. Infelizmente não conseguimos vencer a guerra e expulsar esses filhos de algo desconhecido, para fora do nosso planeta com um belo chute na bunda.

O resto de nós, que conseguiu sobreviver, está espalhado por ai. Se escondendo onde consegue, e fazendo o máximo para tentar sobreviver. Mas não iremos durar muito. E então, com um simples "Puf", iremos desaparecer por completo e estaremos extintos. Tão simples, que, quando eles forem embora, vai parecer que nós nunca estivemos aqui. E nosso pobre planeta continuará em seu giro constante para todo o sempre.

Certo, você provavelmente deve estar se questionando: - Mas quem diabos é você, e como está vivo?

Meu nome é Evan. Sem frescuras com meu sobrenome. Afinal, quando eu finalmente morrer, não terá ninguém para gravá-lo em alguma sepultura. Hoje é meu aniversário de dezoito anos. E faz dois anos que sobrevivo nesse inferno.

Passei boa parte desse tempo procurando por sobreviventes. Os poucos que encontrei já não estão mais por aqui. O que as vezes é bom. Desculpa, só que é verdade. Sobra mais comida. Não preciso me estressar com a segurança de mais ninguém, além da minha. Porém, por outro lado, o sentimento de solidão é avassalador. E muitas vezes acabo por me pegar pensando se não teria sido uma boa ter me juntado a eles e partido para uma melhor. Se é que existe um pós vida. E agora faz quase seis meses desde a última vez que vi outro humano.

Talvez eu seja o último sobrevivente.

Beleza, esse pensamento foi totalmente egoísta. Mas, depois de um tempo, é o único que tenho.

Meus dedos se fecham ao redor do que restou de uma pia de porcelana. Seus outros pedaços estão logo abaixo dos meus pés. Encaro meu reflexo nos restos de um espelho preso a uma das paredes de um banheiro em um antigo prédio corporativo no centro da cidade. Os buracos na parede a minha direita, permitem com que uma fina linha de luz caia sobre meu rosto, deixando meus olhos mais claros do que de costume, e revelando a lenta dança da poeira. Passo a mão no cabelo, terrivelmente grande, e tiro o excesso de pó, que o faz ganhar umas mechas brancas. Os finos cortes em minha pele começaram a criar casquinhas, e alguns se tornaram cicatrizes. Levanto o braço, sentindo o leve odor azedo de suor.

Como eu mataria alguém só pra poder tomar um longo banho e usar um bom desodorante.

O cheiro de mofo faz com que meu nariz irrite, e eu solte uma série de espirros. O fim do mundo não é um bom lugar para alguém que tem rinite alérgica. Atrás de mim, o que restou das cabines do banheiro, tenta se manter em pé. Os cupins já devoraram a madeira de forma voraz. Os vasos sanitários estão sujos, mas se tornam úteis na hora da necessidade, como essa.

Pego minha mochila e caminho para fora do banheiro. Sigo pelo longo corredor, onde buracos enormes me proporcionam uma vista agradável dos restos da cidade. No fim dele, dois elevadores estão com suas portas abertas, e sempre que os vejo, imagino duas criaturas alienígenas saindo de dentro deles. Por incrível que pareça, não tenho a menor noção da aparência dessas coisas. Nesses dois longos anos, jamais tive contato direto com nenhum deles.

Puxo a porta da escada de incêndio e começo minha caminhada em direção ao telhado. O som da porta se fechando com força, ecoa escada acima. A escuridão é aconchegante e em certos momentos minha única vontade é sentar nesses degraus e ficar aqui até não suportar mais.

O vento frio atinge meu rosto, agitando meu cabelo. Olho para o céu, coberto por nuvens densas e escuras. Então me sento na beirada do telhado, abro minha mochila e puxo meu último salgadinho, surrupiado de um dos vários mercadinhos do centro. Contemplo a destruição a minha frente.

Poucos prédios, como este, se mantiveram em pé. Os demais desmoronaram, formando enormes montes de entulho. Ao longe, as montanhas estão cobertas por nuvens baixas.

O tempo mudou drasticamente desde a chegada deles. E faz muito tempo desde a última vez que vi o azul do céu. Talvez a morte seja assim mesmo, sabe? Fria, silenciosa, as vezes dolorosa, mas sempre solitária.

Os minutos se arrastaram, tudo parecia calmo demais. Devorei meu salgadinho de modo lento e deixei minha mente vagar até as lembranças daquele dia. O dia em que o fim da raça humana teve início.

A Invasão - Livro UmOnde as histórias ganham vida. Descobre agora