UM

288 36 14
                                    

Sábado. 58 dias para o fim do prazo

*Aurora

Eu havia esperado por aquele contrato a minha vida toda. Enquanto encarava a tela do notebook com a história que eu havia criado há semanas e que estava, igualmente, parada a semanas, eu bufei frustrada.

Caroline estava no meio de um encontro com Tobias e aquela era a primeira vez que ela diria a ele como se sentia. Ela detalharia o quanto suas mãos suavam sempre que o olhava e diria que ele fazia mais barulho em seu coração do que uma escola de samba em plena avenida. Ele diria a ela que adorava a forma como ela encontrava as melhores metáforas para definir seus sentimentos e então soltaria de uma forma inesperada a inevitável declaração: "Acho que essa é uma das coisas que me fazem amar você".

Quando repassei o roteiro em minha cabeça, tive vontade de vomitar. A Caroline do meu cérebro, não. Ela estava feliz, celebraria, eles se beijariam ali mesmo na sacada e fariam amor a noite toda.

Minha vontade era de enfiar um acidente no roteiro e deixar Tobias em coma o resto do livro, até que no final ele tragicamente morresse. Pedi desculpas ao meu personagem, mas meu estado de espírito não tinha condições de escrever qualquer outra coisa.

Talvez um acidente de avião e alguns membros espalhados pela floresta... Talvez.

A verdade era que Tobias me lembrava Nicolas. Todos me lembravam Nicolas. Samuel, o personagem florista. Miguel, o melhor amigo. Theo, o enfermeiro. Peter, o instrutor de academia bonitão. E todas as personagens me lembravam eu mesma. Ou o que eu costumava ser antes de estar quebrada.

Me frustrava saber que meus seis anos com Nicolas haviam sido tempo perdido. Que provavelmente quando eu saia da sua casa, sua melhor amiga estava lá para que ambos rissem de mim e do papel de trouxa que eu vinha fazendo acreditando que o que existia entre eles era apenas amizade.

Como se eu pudesse ser inocente o suficiente para acreditar que realmente existe amizade entre homem e mulher.

Eu! Que sempre estraguei todas as amizades colocando um romance entre meus personagens!

Encarei a tela do notebook e reli a cena mais uma vez. A última atualização havia sido feita a pouco mais de uma semana, antes de tudo acontecer. Não era justo com o meu casal estragar o momento tão importante da história com o meu humor mórbido. Eles provavelmente nunca me convidariam para participar daquele momento, bem como não estavam nada confortáveis de me contar como a história deles se sucederia.

Fechei a aba do word e, não sei como, fui parar no facebook. Mais precisamente, no perfil de Nicolas.

Olhei para trás, me certificando de que não havia mais ninguém no quarto. Apenas eu, minha autoflagelação e o sentimento patético que se instaurava em mim a cada segundo.

Desci a barra para olhar seu perfil e não me surpreendi. Ele e Claire estavam em mais uma das suas aventuras, dessa vez fazendo uma trilha. Ele sorria. Aquele mesmo sorriso de sempre. Que bambeava minhas pernas e me deixava sem graça, como se fosse demais pra mim. Porque sempre era. Nicolas era demais em todos os sentidos. Desde o seu sorriso que parecia enxergar minha alma até as suas mãos, que quando me abraçavam pela cintura faziam sumir todo o mundo. Ele era excesso. E quando foi embora, deixou um rombo tão grande no meu peito que sutura nenhuma poderia consertar.

Senti as bochechas corarem e mais uma vez as lágrimas se alojaram no canto dos meus olhos. Eu odiava que ele ainda tirasse definições profundas dos cantinhos mais escondidos de mim, porque tudo sempre parecia ser para ele. Eu não conseguia ter o mesmo olhar de carinho quando se tratava de mim. Tudo sempre era sobre ele. O seu excesso me desregrava e a balança nunca era justa.

Todos os meus clichês (FINALIZADO)Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ