Em Bratislava, uma surpresa...

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Capítulo V
Em Bratislava, uma surpresa...
 

         No caminho para a estação de trem de Praga, minha cabeça fazia um redemoinho de tantos pensamentos, suposições, esperanças, angústias, ansiedade. Simona ia falando tantas coisas e eu nem dava tanta atenção, pois queria ter deixado um recado escrito para Milan. Estava me sentindo estranho por não ter avisado que não estaria com ele à noite. O engraçado é que eu não o vira mais desde que ele tirara sua folga para visitar os pais. Na recepção deixei apenas o aviso de que não estaria pelo resto daquele dia e provavelmente só retornaria no dia seguinte ao hotel, seguindo os planos de Tony, que conversava amigavelmente com o taxista, parecendo que já o conhecia, trocando telefones celulares com ele.
         - Amore, é assim que se conquista um tcheco! – disse, virando-se para o banco de trás, onde eu e Simona estávamos, num tom de vitória por talvez ter fisgado um belo taxista. Nem o motorista nem nossa amiga tcheca entenderam o recado pois fora dito no bom e belo português. Eu dei uma risada bem gostosa, pois nem esperava esse comentário. Simona riu também, talvez entendendo o que fora dito ou apenas para me acompanhar, por educação. Tony e o taxista voltaram a conversar de maneira bem íntima, em tcheco, língua que eu não entendia, a não ser para agradecer e pedir por favor.
         A estação, um pouco menos suntuosa se comparada à de Paris, não deixava de ser encantadora para mim, com um estilo bem eslavo. Fomos direto pegar os bilhetes, reservados por Tony, apresando-nos, pois o trem já estava para partir. Antes disso, fiquei pasmo quando meu amigo brasileiro em Praga e o motorista do táxi trocaram um gostoso beijo antes de sairmos do carro. A ousadia de Tony me marcara de uma forma única. Ele sabia o que estava fazendo, mesmo que, para mim, aquilo fosse a coisa mais arriscada do mundo. O tempo de vivência no Velho Continente e um ar atraente, mesclado com a magia que um brasileiro exala em seu exterior, faziam-no se destacar naquele ambiente euro-oriental. Se bem que, eu já tinha feito uma ousadia ao beijar Jan bem naquele jardim tropical, então não poderia ficar tão no desespero, não é? Após a cena do beijo cinematográfico, claro, queria apenas entrar num daqueles vagões, encontrar nossa cabine e relaxar. Simona me havia avisado para ficar de olhos bem abertos e segurar minha mochila com carinho, pois batedores de carteira estavam à espreita para se apropriar de pertences dos turistas desavisados e distraídos. Eu fiz uma linha bem atenta, mesmo sendo um pouco o centro das atenções ao decidir usar um short no estilo dos meus antigos passeios com meu ex-namorado Kevin em Copacabana. Ele elogiava minhas pernas bem torneadas e adorava quando eu usava shorts curtos. Eu também amava, claro. Em Brasília eu não tinha mais esse costume, até porque nos passeios pelo principal parque da capital federal eu optava por uma linha mais discreta. Mas ali eu queria também pegar esse espírito ousado de meu amigo Tony e colocá-lo em prática, nem dando bola para possíveis comentários. Fizemos tudo numa correria e, finalmente, lá estávamos, partindo para Bratislava. Eu não sabia nada sobre aquela cidade, tudo seria uma gostosa\surpresa ou uma inesquecível decepção, que eu me permitiria viver...
         Não imaginei que uma viagem de trem poderia me fazer tão bem. Não só a viagem, mas as companhias me deixaram tão alto astral! Tony e Simona não me deixaram “down” nem um segundo sequer. Muito pelo contrário, deixaram-me bem à vontade. Confesso que nunca tinha visto paisagens tão lindas quanto as que eu vi durante o trajeto. Foram quatro horas bem especiais. Nada a ver com os metrôs do Rio de Janeiro ou de São Paulo, por exemplo. Ali eu vislumbrei uma Europa onde poucos brasileiros e poucas brasileiras já tiveram o prazer de estar. Cada trecho era um deleite aos meus olhos, com Simona me explicando sobre as lindas casas em tons pastéis à beira dos montes, sobre os campos de colza, com aquele amarelo maravilhoso e infinito das flores, onde podíamos ver famílias que trabalhavam, para minha surpresa, de modo bem rústico, a fim de extrair o conhecido óleo de canola. Tony, que também não havia visitado a capital eslovaca, curtia as explicações e informações dadas pela amiga, sempre fazendo questão de mencionar que foi um acerto eles terem me raptado daquele hotel. Aquela área eslava, menos urbana e mais bucólica, me encantava. Tínhamos uma cabine toda só para nosso deleite até quase o fim da viagem, quando uma família embarcou e seguiu na cabine ao lado, tirando um pouco do nosso sossego e concentração, mas, sinceramente, não achamos tão ruim assim. As crianças e seus pais estavam animados. O pai tocava algo parecido com um bandolim enquanto a mãe cantava músicas eslovacas sem parar. Simona frisou que estávamos já na Eslováquia. Tony me tirou uma gargalhada ao mencionar os a algazarra que eram os ônibus no Brasil ao vermos aquela alegria em família. Até liguei a câmera para registrar a animação sem que as aquelas pessoas notassem, pois queria as lembranças das músicas para ver em dias vindouros.
         Meu Deus... Às vezes me beliscava para ver se não estava realmente sonhando. “Como fui ser tão idiota a ponto de nunca ter aceitado o convite de Ingrid em passar férias aqui na Europa?”, pensava, enquanto fingia estar atento à conversa de Tony, após toda aquela algazarra feita pelos eslovacos da cabine vizinha. No finzinho da viagem, meu pensamento estava em Praga, mais precisamente em Jan. Nossa! Não é que eu não fosse capaz de me envolver com homens interessantes, mas aquele em questão era demais para mim... “Que pretensão, Yuri! Um mísero turista do Brasil como você jamais vai ter condições de ter um envolvimento, mesmo que seja relâmpago, com um filho do dono de um Hotel Marriott em Praga.”, pensei novamente, dessa vez sendo interrompido pelo grito de Simona...
         - Ei, acorde! Estamos entrando em Bratislava...
         - Oi?!... Nossa desculpa, Simona. Fiz a distraída agora, né? - fiquei até sem graça de não estar dando atenção aos dois naquele instante e deixei um pouco de lado os pensamentos a respeito do “deus grego de olhos azuis”... Bem, grego não: tcheco. Isso mesmo, um “deus tcheco”.
         - Está vendo aquele vilarejo ali? – apontou ela, com um tom emotivo na voz. Fiz que “sim” com a cabeça e ela disse que era onde a cidade nascera e onde ela também nasceu. Acabou explicando que, quando a ex-Tchecoslováquia decidiu pacificamente dividir seu território em dois países independentes (República Tcheca e Eslováquia), a Eslováquia ficou um pouco mais debilitada economicamente e seus pais decidiram se mudar para a República Tcheca em busca de novos ares. Acabaram se firmando em Praga e de lá não mais saíram. Mas Simona nunca esquecera sua cidade natal, deixando até rolar uma lágrima ao falar de como fora sua infância ali. Tony a afagou, tornando o clima mais emotivo, enquanto o trem continuava em seu ritmo acelerado deixando o belo vilarejo para trás. E como era lindo o lugar... Parecia coisa de filmes, sabe? As casas, no estilo campestre de sempre, encravadas num belíssimo vale. A luz do sol deixava tudo muito mais vivo. Um ambiente que deixaria qualquer um morto de saudades...
         Pulamos do trem como três loucos. A estação repleta de gente. O engraçado é que era difícil encontrar pessoas de cor parda e negra como eu e Tony, por isso os olhares eram todos para nós. Não que Simona não fosse bela, não é isso. O fato é que ela era tão pálida quanto todos que estavam naquela estação e não era de se admirar que as pessoas pudessem realmente nos fitar, visto que nossa cor de pele chamava atenção. Minha nova amiga foi logo anunciando:
         - Minha tia não vê a hora de nos encontrar. Falei tanto de você pra ela, Tony... – ela deu uma pausa, medindo o que iria dizer. – Yuri, ela não sabe muito de você, tá? Tony te incluiu na viagem de última hora e eu amei a ideia, só que não deu tempo de dar muitos detalhes obre você, então...
         - Espero sinceramente que ela não se decepcione, viu, queridinha... – interrompeu Tony, fazendo-nos dar uma boa gargalhada
         - Fique tranquila, Simona. Eu espero que ela não tome um susto ao ver minhas tranças coloridas, porque eu já notei que o centro das atenções por aqui sou eu. Tô me sentindo bem na linha circo dos horrores, mas não serei a mulher barbada... – procurei acalmar Simona, já que ela tentava se explicar sobre minha inclusão repentina nos planos de viagem. Tony completou seu raciocínio:
         - Bratislava terá o privilégio de ver as Meninas Super Poderosas, meu bem! Porque eu também chamei atenção por aqui, tá, Docinho? – foram inevitáveis os risos de nós três.
        O trajeto, de táxi, até a casa de tia Yana (esse era o nome da tia de Simona) seria de uns trinta minutos, pois ela morava na cidade ao lado, Devín. Decidimos fazer um tour por Bratislava, pois era uma cidade cativante, porém pequena, se comparada a metrópoles como Paris. Foi simplesmente deslumbrante. É incrível que eu estava pisando na Eslováquia, num país que só tinha sete anos de existência, mas com uma cultura que vinha dos tempos da Idade do Bronze, bem antes de Cristo. Um país que já tinha passado pelas mãos de vários impérios, invadido por nazistas e soviéticos e era, agora, independente. Bratislava não era uma cidade tão atrasada como minha nova amiga tinha descrito no trem. Poderia até ter sido na época em que ela saiu de lá com seus pais, mas, aos meus olhos, apresentava um ar moderno e ao mesmo tempo tradicional, de uma cidade pequena se comparada à Praga. Os vestígios medievais ainda eram vistos nos monumentos e prédios belíssimos que se erguiam imponentemente, centrados por praças com belos canteiros de flores. E como os europeus tinham um cuidado com suas praças, com seu passado, tudo lindo, limpo... Nossa! Simona fez questão de que parássemos para ver o principal ponto turístico, o Castelo de Bratislava. Eu e Tony nos deslumbramos quando, lá do alto do lindo prédio, nossa amiga nos fez vislumbrar, ao longe, as fronteiras do país com a Áustria e a Hungria. Naquela altura do campeonato eu nem ligava mais para o peso da mochila de viagem. Não é colocando areia na beleza e imponência do Brasil, mas é que, de fato, o lugar parecia um sonho!
         - O que é aquilo, Simona, em cima daquela ponte? Parece um disco voador, não é Tony? – perguntei, ao avistar a Ponte SNP, o primeiro tipo de ponte estaiada construído no mundo, um outro ponto de destaque da pitoresca cidade.
         - Ah! É a Ponte UFO. Dá pra entender porque chamam de UFO, meus amores. Ali tem um observatório e um restaurante muito chique. Bratislava é uma cidade barata de se viver, mas ali naquele restaurante é bem caro. Pra turista mesmo.
         - E nós somos o quê, bebê?! – indagou Tony, querendo já fazer uma visita ao local.
         - Vocês são meus convidados e não vão pagar caro para provar um delicioso jantar, porque vamos comer muito bem na casa da tia Yana. Podemos ir ao observatório, mas pagar caro pra comer... Não mesmo, queridos! – Simona fora tão resoluta em sua assertiva que Tony nem tinha mais argumentos para rebater. Eu fiquei olhando a bela vista e o encantamento só aumentava.
         Descemos do topo do castelo e já estávamos decididos a voar para casa da tia Yana, mas decidi fazer algo louco, usando das artimanhas da minha queridíssima irmã. Eu ainda não havia usado o cartão de crédito que Ingrid praticamente obrigou Henri a fazer em meu nome, para despesas durante a minha viagem. Talvez eu tivesse que trabalhar como escravo por anos na empresa de turismo do meu cunhado para pagar por todos os gastos que eu faria se fosse tão louco quanto minha irmã. O dinheiro que eu havia trazido, fruto do acordo que fizera com as escolas em que eu trabalhava em Brasília, além das economias que eu juntara durante anos, talvez esperando por essa louca viagem, não me davam a tentação de usar aquele cartão corporativo com um limite exuberante. Mas... Usei sim o cartão! Aluguei um carro e deixei meus amigos com o queixo na mão. Um pouco de luxo não iria matar e sim nos deixar mais à vontade, pois eu queria explorar mais a capital eslovaca. Passeamos de carro pela rodovia que foi construída de forma controversa, acabando com um bairro judeu inteiro, deixando apenas vestígios do que um dia fora uma sinagoga. Paramos na praça Hlavné, onde Simona nos falou da antiga prefeitura da cidade, rodeada de prédios de arte gótica e art nuveau. Tony sentou-se para tirar fotos à beira da linda fonte que jorrava uma água límpida. Crianças se aproximaram para tocar em minhas tranças coloridas, rindo a valer quando eu falava em português que não me tocassem. Claro que não entendiam nada! De repente eu tinha virado a atração principal da cidade, pois umas senhoras queriam tirar foto comigo, depois uns adolescentes bem despojados. Eu estava amando tanto aquilo. Tony amava bater as fotos e Simona estava adorando ser nossa guia. Eu sentia, pelo seu semblante, que ela estava tão feliz por estar de volta à sua cidade natal. A tarde já estava indo embora, mas o sol insistia em brilhar como se fosse meio dia. Típico do verão por aquelas bandas.
         Ao passarmos pela esquina de duas ruas bem conhecidas da cidade, uma estátua bem interessante chamou minha atenção e, claro, Tony não perdeu tempo:
         - Garota, que coisa horrorosa é essa?!
         Simona parece ter ficado um pouco irritada com a expressão usada pelo amigo, mas eu também achei a obra um tanto esquisita.
         - Essa é a mais famosa estátua de Bratislava, gente! Não é nada de horrorosa, Tony! – respondeu ela. Eu interrompi o rompante, achando que os dois iriam ter uma leve discussão sobre a estética do monumento e eu não queria aquilo naquele instante. Percebi que era um homem saindo de um bueiro, observando a rua. Simona continuou:
          - Uns dizem que era um trabalhador comunista, que adorava o trabalho que fazia, por isso estava sempre sorrindo. Outros dizem que era um homem que gostava de ficar olhando por baixo das saias das moças...
          - Que safadinho ele, não?! – comentou Tony, em português, fitando-me. Eu não contive a risada.
          - Tia Yana me disse que se uma pessoa passar a mão na cabeça da estátua, no futuro ficará muito rica. – Simona começou a acariciar o nariz do homem prateado, que reluzia ao sol poente, continuando – E se uma mulher quiser engravidar, é só passar a mão em seu nariz...
         Não perdi tempo e acariciei a estátua querendo ficar sim podre de rico para não precisar de ninguém financeiramente pelo resto da minha vida. Tony, de forma engraçada, beijou-lhe a testa. Deixamos a Estátua Cumil (o Observador) para trás, já saciados, após tomarmos um delicioso sorvete. Avistei um Cyber Café e comuniquei-lhes que precisava mandar uns e-mails e informar Ingrid sobre meu paradeiro. Também queria mandar mensagens a meus pais e amigos, dizer que estava bem, que estava numa cidade mágica. Tony também se interessou em mandar mensagens para a família no Brasil. Eu não via a hora de revelar todas as fotografias que já havia tirado, porque seriam lembranças para toda uma vida, seriam inesquecíveis de verdade. A filmadora também foi uma arma maravilhosa para gravar aqueles momentos únicos na capital da Eslováquia. Tudo sendo registrado com muito esmero. Ainda bem que eu tive a ideia de olhar meus e-mails, porque minha irmã já havia mandado muitos, desesperada ao saber que eu havia deixado o hotel e ido para outra cidade. Não sei como ela conseguira tantas informações, provavelmente com os recepcionistas. Tratei de respondê-la e prometi que ligaria assim que pudesse. Ela se preocupava comigo e eu apreciava muito aquele gesto. Kassy também tinha se comunicado, louca para saber de mais detalhes sobre os dois tchecos que estavam em meu caminho. Aproveitei para contar-lhe sobre o beijo delicioso com Jan. Foi bom, naquele momento, sentar um pouco e aproveitar aquele ar condicionado do Cyber Café. Meu corpo pedia por um ar mais fresco e ameno.
         Sentamos a uma mesa em um delicioso café, observando todos e todas passarem, numa vontade de partir para Devín e, ao mesmo tempo, encantados com a beleza do Rio Danúbio. Por fim, após um bate papo delicioso, risos, olhares e flertes com rapazes lindos, não queríamos mais sair daquele local. Mas os primeiros tons da noite insistiam em nos cercar, anunciando que deveríamos seguir destino. Aquele com certeza era o dia mais longo que eu passava na Europa Central, porque estava rodeado de beleza, de amigos que cada vez mais se acercavam para fazer parte da minha vida, das minhas memórias. Ao entrar em Devín, a belíssima Igreja Azul nos recepcionava. Paramos, com a insistência de Tony, para tirar fotos em frente àquele lindo monumento. Sua fachada parecia o céu num dia de sol sem nuvens, contrastando com a noite que já começava. Simona informou que era a Igreja de Santa Isabel e eu logo fiz um pedido para que, por um milagre, Jan fosse fisgado pelos meus encantos... Tony riu tanto, quando expressei o desejo em voz alta, que até lágrimas saíam de seus olhos. Nossa amiga não entendera aquele momento, pois do mesmo jeito que não entendíamos nada em eslovaco, ela também não entendia o português...
         Tia Yana já estava esperando à porta, com um sorriso de um canto a outro. Que senhora simpática!!! Me deu um abraço pensando que eu fosse Tony, foi uma confusão! E outra: não falava praticamente nada em inglês. Nem sei o que ela estava falando quando me abraçou. Simona só dava gargalhadas enquanto eu e Tony estávamos passados de vergonha. Logo entramos na casa e uns pirralhos começaram a nos olhar de alto a baixo. Minha Nossa Senhora da Igreja Azul, que situação!!! Nunca me sentira como um ET antes... Aliás, nunca nos sentimos como ETs, porque Tony também estava totalmente sem jeito. A pior coisa nesse mundo é você estar num lugar onde não se consegue haver comunicação. O clima fica embaraçoso. Mas é hiper engraçado para rir depois!
     Pois bem, tia Yana fez questão de nos apresentar até para os dois poodles lindos que ela havia ganhado um mês antes, um presente dado pelo filho mais velho, que não se encontrava em casa naquele momento, pois estava na casa dos avós (pais de tia Yana), em Bratislava, cuidando do avô, que estava adoentado e precisava de cuidados. Simona nos explicara que o filho mais velho trabalhava em Praga, mas tinha pedido uns dias de recesso para cuidar do avô, a quem muito amava. Achei aquela história comovente. Eu adoraria conhecer aquele rapaz. Os dois filhos mais novos e a garotinha não desgrudavam da gente um segundo... Nossa, que ódio! Eu amo crianças (pra não dizer o contrário...), mas eles até que eram mais crescidinhos que os “trigêmeos” de Ingrid e Henri. No quarto espaçoso, que tia Yana organizou para nós, havia cada coisa tão linda! Bonequinhas, um artesanato típico de Bratislava, enfeitavam a mesinha de cabeceira. A cama mais parecia um mundo de tão grande. Perguntei a Simona se iríamos dormir os três naquele quarto. Ela falou algo em eslovaco com sua tia e depois disse que sim. Nossa! Tia Yana estava rindo tanto! Tony perguntou qual era a graça e Simona lhe disse que era por causa de algo que ela tinha comentado com a tia, sobre nós. Fiquei curioso... Queria saber que comentário fora aquele. Então nossa amiga revelou:
         - Eu disse à tia Yana que vocês não oferecem perigo algum se dormirmos todos no mesmo quarto... - Então, eu e Tony entendemos a mensagem... E começamos a rir também. Até as crianças deram risada sem entender muito do que estava acontecendo.
         Estávamos já na sala de estar, eu Tony e as crianças, que conseguiam expressar algumas coisas em inglês, como cores, nomes de animais, frases básicas como “Qual o seu nome?” e “Como vai você?”. Certamente aprenderam na escola. Simona se achegou a nós para nos convidar a irmos à sala de jantar. Do nada ela sentiu que queria nos revelar algo sobre ela, que passou a morar com a tia Yana, depois que seus pais e o marido de sua tia morreram num terrível acidente de carro em Praga. Eu e Tony ficamos perplexos por um momento, pois fora uma revelação que cortou um pouco aquele clima de descontração.
        - Eu queria contar isso pra você, Tony, há mais tempo, mas as coisas na universidade e o dia a dia em Praga não me deixaram abrir essa parte triste da minha vida pra você. Me desculpa se só estou te dizendo isso agora... – Simona deu uma pausa, perecendo querer chorar. Tony se levantou para abraça-la. As crianças, sentadas já ao meu lado, só olhavam a cena. Eu me encantei com a amizade linda dos dois. Parecia a minha amizade com Kassy, pois chorávamos juntos e ríamos juntos também. Naquele momento eu compreendi que não importavam nossas origens, de qual país éramos, a qual cultura pertencíamos. O importante era se dar ao luxo de curtir a amizade. Me juntei aos dois no terno abraço, sentindo que ali nascia uma união linda, que iria me marcar o coração.
         Um dos garotos começou a nos chamar, pois o jantar estava servido. O filho mais velho de tia Yana iria chegar para o jantar também. Sentados à mesa, esperamos nossa tia eslovaca fazer uma breve oração. Aquele rito me encantou. Eu e Tony levantamos o olhar e vimos os cinco de cabeça baixa, recitando algo que parecia o Pai Nosso. Nos entreolhamos, achando aquilo tão terno. O cheiro da comida estava quase me fazendo avançar naquela mesa, mas me contive, esperando a matriarca dar o sinal verde. Começamos a comer, tentando ao máximo fazer uma comunicação com tia Yana, pedindo a Simona que ajudasse como nossa intérprete, o que ela fez com um carinho imenso. As crianças logo se tornaram um amor para mim, não eram os monstrinhos que eu imaginara minutos atrás. Ao contrário, ajudavam a mãe em tudo, mas tinham seu momento de brincar também. Deveria ser complicado para tia Yana, ter de criar tantos filhos sozinha. Simona explicou que o filho mais velho, seu primo, fora fazer a faculdade de gastronomia em Praga, a fim de ajudar nas despesas que a mãe teria após a perda de seu pai.
         - Yuri!!! Ele trabalha no Hotel onde você está hospedado! Que coincidência, hein! Meu primo é o chef de lá. – disse Simona. Eu parei de mastigar e deixei o garfo até cair sobre a mesa, tal fora a surpresa que tomara conta de mim ao ouvir aquelas palavras. Tony olhou para mim sem entender muita coisa. Eu estava estupefato, mas procurei a confirmação:
         - Deixa eu ver se eu entendi... Quer dizer que seu primo, o filho mais velho de tia Yana... Como é o nome dele?
         - Gente! Espera um pouco, que eu tô tentando me encaixar nessa cena da novela A Usurpadora... – Tony realmente não estava entendendo nada. Se realmente o rapaz fosse quem eu estava pensando, não houve tempo nem momento adequados para contar-lhe. Pedi ao meu amigo que esperasse um pouco e voltei o olhar novamente para Simona, que revelou:
         - O nome dele é Milan. Mas... Por que você está com uma cara tão espantada, amigo? Nem lembrei de te falar sobre ele...
         - É que... a gente se conheceu um dia antes de eu conhecer vocês. Fomos pra boate, nos divertimos. Eu iria passear com ele hoje se não tivesse vindo para aqui... Olha o que o destino foi capaz de fazer, gente! – dei uma pausa, tentando concatenar tudo o que estava a acontecer naquele exato momento. O rapaz que estava para chegar era Milan. Que surpresa a Eslováquia me trazia. Que loucura! Tony procurou dar uma harmonizada no momento de tensão que se formara:
         - Retiro o que eu disse, okay? Essa cena está mil vezes melhor do que a novela A Usurpadora! Yuri!!! Me conte tudo, não me esconda nada! – disse, em português. Tia Yana e as crianças comiam tranquilamente, sem dar muita atenção ao que ocorria. O barulho da buzina do carro lá fora anunciava a chegada do tão querido filho, que veio à Eslováquia cuidar do avô.
         O passeio de barco pelo Rio Moldava não iria mesmo ocorrer, mas a surpresa daquela tão inesperada coincidência iria dar novos contornos aos meus sentimentos por Milan. Quando a menininha fofa foi abrir a porta, fiquei gelado na hora. A irmãzinha foi ao seu encontro e eu ouvi sua voz, dizendo algo em eslovaco, era mesmo o lindo chef. Tia Yana e os dois filhos alegraram-se e Simona traduziu o que ela dissera: “Vocês vão conhecer meu filho maravilhoso!” Eu já o conhecia. Eu já o achava maravilhoso. Só não esperava que iria encontra-lo ali. Qual seria sua reação ao me ver? Esperei ele adentrar a sala de jantar. Ali, à entrada da sala, ele parou. Parecia não dar muita atenção ao que tia Yana lhe dizia, nem aos gritos de alegria que seus irmãozinhos deram ao vê-lo. Ele ficou olhando diretamente para mim e eu para ele, sem entender nada. Eu entendia tudo. O destino não me deixaria em paz. Ele simplesmente sorriu, de forma tão doce. Eu também lhe sorri, meu coração pulou...

  
  





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