A História dos Temitas

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Avô: Poucos conhecem o que te vou contar, acerca dos diabretes mais maldosos que possas imaginar. São terríveis! Muitos são os sofrem as suas consequências sem sequer desconfiarem, mas a nossa família nunca foi e nunca será ignorante quanto a eles. Por isso, chegou a altura de te transmitir a história, serás o seu próximo guardião. Começou há muitas gerações, numa manhã fresca de inverno, penso que até nevava um pouco, numa aldeia montanhosa da...

— Houve outro assalto! — conta a Sra. Clara, a viúva mais rechonchuda da aldeia, à minha mãe. — É o terceiro rapto esta semana — acrescentou, exaltada.

— Mas quem é que haveria de querer raptar cães? — indagou o Sr. Diamantino, o velho sapateiro. — Sujam, comem e dormem. Temo-los aos montes na lixeira. Rafeiros  nojentos!

A Sra. Clara fica vermelha. Agarra, com força, a alça da sua carteira vermelha e inspira fundo. Para evitar a gritaria que se avizinhava, a minha mãe apressou-se a explicar:

— A cachorra da Clara desapareceu, Sr. Diamantino. Ela não é rafeira.

— Jamais! É um caniche com pedigree — assegura a Sra. Clara, com as faces rosadas e os lábios a tremer. Não lhe bastava ter perdido a sua querida cachorrinha, também tinha de levar com a rudeza do velho sapateiro.

— Mas não é tudo a mesma coisa? — fala ele, rindo-se sozinho.

A Sra. Clara agarra com mais força a sua carteira. Engole em seco, dá um pequeno olhar amigável à minha mãe, passa a mão pela minha cabeça e vira costas ao velho.

— O senhor não foi correto — repreende a minha mãe.

Ele ri-se, limpando o nariz com o dedo indicador.

Enojada, a mãe dá-me a mão e leva-me para casa, sem nos despedirmos dele.

— Quem anda a roubar os cães, mamã?

Ela comprime os lábios. Damos mais uns passos e chegamos a casa. Ouço o tilintar das sua chaves, enquanto a mamã abre a porta.

— Não sei, filho. O melhor é ficarmos por casa e especialmente atentos até isto passar – responde com o seu olhar calmo, mas severo.

— E o boneco de neve? — insisto. — Disseste que hoje podia fazer um!

A mãe tranca a porta de casa e leva-me para o meu quarto.

— Hoje, ficas aqui. Amanhã veremos se é seguro – sentenceia.

Neto: Mas o que é que isto tem a ver com os seres pequenos de que me falaste, avô?

Avô: Shhhh! Deixa-me contar a história e verás. Já lá chegaremos. Onde é que eu ia... Ahh, sim...

A mãe sai do quarto, confiante de que ficar em casa é o mais acertado. No entanto, escapa-lhe o mais importante: o cão pequenino do seu filho, que espera na cama do dono para brincar. Contudo, o rapaz está desanimado e deixa-se cair estendido na cama, com a cabeça na almofada. Se ele soubesse o erro que acaba de cometer...

Enquanto o cão pequenino lambe os tornozelos do seu dono, pequenos monstrinhos verdes arquitetam outro roubo, saindo de debaixo da cama. O rapaz está mesmo ao lado deles e é suculento, mas eles querem algo mais requintado. Eles querem o cão pequenino!

O cachorrinho, preguiçoso de nascença, limita-se a olhar para os monstrinhos verdes com a cabeça inclinada. O que é que meia dúzia de pulgas podem fazer contra ele? O cão pequenino é um gigante bem capaz de os abocanhar se eles se continuarem a aproximar... O que ele não sabe é que muitos outros cães já pensaram o mesmo que ele, e todos eles foram surpreendidos...

Lentamente, os monstros rodearam o cão pequenino. Sobressaltado, ele afasta-se do dono e estica as suas patinhas para parecer  mais alto. Prepara-se para rosnar, assustar e chamar a atenção do rapaz para a invasão. Os monstros saltam e mordem o cão pequeno, este não faz barulho e o rapaz não tira a cabeça da almofada. Pobre cachorrinho! Um toque daqueles intrusos é suficiente para pôr um cão grande a dormir uma noite a fio. O que será dele?

Como fizeram com o cão antes dele e com o cão anterior ao cão antes dele, as pestes verdes agarram-no e, com uma força admirável para o seu tamanho, levam-no até o parapeito da janela.

O rapaz tem de olhar agora! Os monstrinhos não têm força para pôr um humano a dormir. Ele pode salvar o seu cachorro preguiçoso...

Tal não aconteceu. O rapaz não olhou para a janela e não os viu. Todavia, eles também não levaram o cão...

— João! — chama a mãe, abrindo a porta. – Queres ir fazer um boneco de neve? – propõe-lhe, depois de refletir e chegar à conclusão de que o filho não precisa de andar escondido. Afinal, ele não era um cão.

O João está prestes a responder ao sorriso afável da mãe, quando, subitamente, a mãe para de sorrir.

— João, o que é que o cão está a fazer na janela? — grita-lhe.

Naquele dia, o João ficou de castigo e não fez o boneco de neve. Os monstrinhos verdes também não raptaram o cão pequenino, que passou dois dias no veterinário antes de despertar. Naquele dia, foi uma mãe que mudou o rumo da história.

Os TemitasWhere stories live. Discover now