-Deus me livre, minha labirintite ataca se eu olhar pra essa altura.

-Cê nem tem labirintite, Vitória.-Ele olhou pra minha cara e eu ri e neguei com a cabeça.

-Mesmo assim, vou não.

-Vem logo, para de ser medrosa. Eu tô aqui, fia. Vai acontecer nada não.-Fiquei olhando pra ele que tava me encarando e fui chegando perto devagar. Fiquei só olhando pros prédios que tavam longe, nem me arrisquei a olhar pra baixo.

-Aqui é altão, em?

-É o penúltimo andar, o de cima é a cobertura.-Olhei pra cima mas só dava pra ver a sacada.

-Caraca... Quanto você pagou nisso aqui?

-Quatrocentos e secenta.-Arregalei meu olho e ele riu.-Fiz a mesma cara.

-Jesus Cristo! Ô Jhonatan, cê não tem medo não? De passar a cobertura pro meu nome e eu não te devolver nunca mais.-Ergui minha sombrancelha, tentando fazer uma cara de perigosa, e ele riu alto, chega gargalhou. Não entendi a graça.

-Cagona do jeito que você é, Vitória? Ate parece.-Dei um tapa no braço dele e ele riu e segurou no meu pulso, me puxando mais pra ele e passando o braço no meu ombro.

-Oxe, filho. Bota fé em mim não, pra você ver.-Ele continuou rindo e eu acabei rindo junto com ele.-Seu besta!

-Vou depositar uma meta na sua conta ainda essa semana, aí cê vai lá comprar os bagulho.

-Ta bom, cê quer alguma cor específica pra decoração?-Perguntei já rezando pelo não, eu só sei que a cozinha eu ia meter um vermelho e preto mesmo se ele não gostasse.

-Eu não, só não quero rosa e nem branco, e nem laranja.-Concordei com a cabeça e fui pra frente dele, ele me soltou e eu peguei o braço dele e passei em volta de mim de novo. Ele riu fraco e levantou o outro braço, me abraçando por trás certinho.-Cê se amarra em um grude, né, garota?

-Huhum...-Concordei com a cabeça e sorri, mesmo que ele não pudesse ver por eu estar de costas. A gente ficou em silêncio um tempinho, só olhando a vista enquanto ele me abraçava.-...A gente sempre foi assim?

-Assim como?

-Grudados.

-Quase sempre. Quando você nasceu eu ficava bobo com você, mas tava novão ainda, eu mal parava em casa e também seus pais já tinham ido morar sozinhos, aí eu não tive tanto contato com você. Quando você tinha uns quatro anos a gente já se dava bemzão, mas aí foi a minha primeira cana. Quando eu voltei cê já tinha seis, sete... Já nem lembrava direito de mim, eu me aproximei de novo de você, aí a gente não se largou mais.-Ele terminou de falar e eu sorri.

-Engraçado que eu fui crescendo e nada mudou, né? A gente continuou apegados.

-Com o tempo foi ficando até mais forte, bagulho loucão. Tempo foi passando e a gente foi se prendendo.

-Até demais...-Falei baixo e soltei um suspiro, ele me apertou mais no abraço e eu senti a cabeça dele encostando na minha.

-Por que "até demais"?

-Ah, sei lá... É que a gente criou uma relação que até confunde.

-Confunde quem?

-As pessoas... Todo mundo.

-Como assim?

-Não sei, Jhonatan. Quem vê nós dois assim, pensa que a gente tem até alguma coisa.-Virei de frente pra ele e ele me soltou.

-A gente sabe que não existe mais do que amizade aqui, e nem tem como. Tem nem nexo isso.-Ele negou com a cabeça e eu mordi a boca .

-É tão absurdo assim?-Abaixei um pouco a cabeça e olhei novamente pra ele, que tava me olhando com uma cara indecifrável.

-Cê tá falando do que, Vitória? É claro que é absurdo, cê é uma sobrinha pra mim.

-Eu não-Respirei fundo e desviei o olhar do dele.-Eu não sou sua sobrinha!

-Que isso agora, em? Cê me vê de outra forma, Ayuli?

-Não é que eu te vejo de outra forma, só que eu te vejo como um melhor amigo, mas tio não. Eu só não acho que tinha que existir todo esse tabu entre a gente, porque você não é meu tio.

-Não faz isso.-Ele negou com a cabeça e passou a mão no rosto, virando de lado.

-Não teria tanto problema se acontecesse alguma coisa entre nós dois. Só tô te explicando, não tô falando que vai acontecer, Jhonatan. Não precisa ficar todo nervoso aí.

-Eu não tô nervoso, só tô sem saber o que dizer... Caralho, Ayuli! Eu nem me ligava que você tinha esses pensamentos comigo. Isso aí tá fora de cogitação.-A vergonha bateu com tudo... Vergonha, decepção, realidade...

-Não precisa achar que eu sou apaixonada em você também, não é isso. Só que eu te vejo como qualquer outro homem.-Tentei fazer ele entender meu lado e desviei o olhar de novo. Tava no auge do constrangimento, da humilhação ali. Eu devia ter ficado com a boca bem fechada, se arrependimento matasse eu tava morta agora.

-Mas você não pode me ver assim, Ayuli. Não tem chance de acontecer nada entre a gente, cê é minha menininha, pô.-Ele virou de costas, andando pra longe de mim e colocou as duas mãos na cabeça.-Caralho, eu não acredito que a gente tá tendo essa conversa.

-Então fica tranquilo que a conversa acabou de acabar, vamos.-Saí andando pra dentro de casa só tentando controlar o choro de decepção e vergonha. Eu já sabia que a reação dele não seria boa se algum dia ele soubesse, só não esperava que eu fosse me sentir tão humilhada.

EM SP NÃO EXISTE AMOR.Where stories live. Discover now