Coisas Perdidas - Parte 4

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Wyatt sentiu areia e cascalho debaixo de si quando se arrastou para a ponta escarpada do promontório. A vinte metros dali, no vale que se esparramava preguiçosamente logo abaixo, Joe Meia-Cuca olhava para seu antigo bando que se aproximava no horizonte levantando poeira.

De início, a Xerife se mostrou um tanto cética quanto à participação de Joe naquilo tudo. Wyatt não podia desdenhar dos receios dela, mas ele conhecia mais histórias sobre Meia-Cuca do que os habitantes de Providência e sabia que, apesar de se esforçar para sempre ter fama de alguém de pouca esperteza, Joe era um sobrevivente.

Como um rato fugindo de uma embarcação condenada, o bandido faria o que fosse necessário para sobreviver e se mostrou mais do que solícito àquele plano. Se tudo desse certo, ele manteria sua cabeça e, Wyatt sabia, estar com o grupo de Monco já estava ficando arriscado demais para a opinião de seu mais novo companheiro de conspiração.

– Eles demoraram demais, não? – ouviu o garoto ao seu lado perguntar nervosamente – Talvez Jamie Monco e seu bando tenham farejado algum cheiro ruim no ar e preparam alguma coisa. – O medo estava muito mal disfarçado nas palavras.

– Jamie está tão atrasado quanto era de se esperar. – Respondeu sem olhar para o rapaz, que lhe parecia desconfortavelmente jovem – Além do mais, Daniel está vigiando a toca daquele miserável desde mais cedo. Se o bando fosse para qualquer outra direção, ou armasse algum esquema, ele teria vindo correndo pra avisar.

– Acho que me sentiria melhor se tivéssemos uma dupla de torossauros para lançar em cima dos desgraçados. – o garoto deu um risinho nervoso e engoliu em seco.

– É – disse Wyatt simplesmente.

Wyatt sabia que o bando tinha marcado algum ponto de encontro caso alguma coisa desse muito errado. Não havia sido difícil arrancar a informação de Meia-Cuca e o bandido aceitou participar de todo aquele esquema para acabar com Monco.  Para o alívio de Wyatt, a Xerife rapidamente concordou em ajudar tão logo ficou claro que o confronto não seria tão próximo de Providência.

Foi rápido. Não precisaram de muita organização. Depois de ir ele mesmo para avaliar o lugar onde se daria a emboscada, retornou para o gabinete da Xerife para descobrir que ela já havia alistado cinco homens dispostos a participar do tiroteio e já havia separado rifles e revólveres.  Meia-Cuca pagou um garoto para enviar uma mensagem para Jamie Monco com o código que levaria o bando a se reorganizar naquele local – todo grupo de foras-da-lei tinha um combinado semelhante – Partiram para armar a emboscada logo em seguida.

– Não vou mentir para ninguém - dissera Wyatt na hora de partir – Temos a vantagem, mas um tiroteiro é um tiroteio e morre gente dos dois lados.

O alerta era verdadeiro, mas era tão pessimista quanto a situação permitia.

– Aí vêm eles – disse o rapaz ao lado de Wyatt.

– Aí vêm eles – respondeu.

Apertou os olhos quando viu Jamie Monco e seus vinte desgraçados se aproximarem ao ponto em que já era possível distinguir suas feições. Todos montavam galimimos, nada de surpreendente. Podia contar nos dedos quantos viajantes usavam outro tipo de montaria.

Depois de achar o cabelo cor de palha do líder do bando, Wyatt desviou o olhar para o fim daquele caminho, onde a Xerife estava de tocaia. Mesmo à distância, conseguiu enxergar o misto de ansiedade e de uma bravura em seu rosto..

Observando atentamente enquanto a montaria de Monco vencia preguiçosamente os últimos metros, Wyatt fez um sinal discreto para a Xerife e a outra dupla que triangulava a região.

Havia orquestrado com Louise toda a matança. Esperariam até que os bandidos começassem a desmontar e então a canção de tiros e morte começaria. Os animais correriam a esmo, desorganizando os homens de Monco, e estes, estando em uma posição pouco vantajosa, cercados e munidos principalmente de revólveres, seriam abatidos um a um pelos disparos de rifle. A Xerife havia decidido ficar especialmente na boca daquele passo. "Se um deles tentar fugir, vai ser eu que vai dar cabo do covarde", dissera para Wyatt antes de partirem.

– Prepare-se, garoto. A hora é agora. – disse no momento em que Jamie Monco alcançou um ansioso Joe Meia-Cuca.

Wyatt posicionou seu rifle. Chegara a hora de vingar Doc. Mataria Monco e tomaria o projeto do velho de seu cadáver. Com o canto dos olhos espionou o rapaz – nervoso, mas preparado – que lhe acompanhava, queria ter certeza de que ele não estava fazendo nenhuma besteira.

Voltou seu olhar para o alvo de cabelos cor de palha no instante em que ele atirava em Joe.

Só entendeu o que havia acontecido quando o corpo de Meia-Cuca levantou poeira do chão. Um gosto amargo subiu à boca e uma onda de frio pareceu congelar a mão do gatilho. Sentiu o esboço de um rosnado em sua boca e, consciente dos olhos assustados do garoto, viu quando Monco esporou o galimimo e trotou alguns metros à frente de seu bando.

O fora-da-lei deu dois tiros para cima e gritou:

– Acharam que podiam enganar o velho Jamie aqui?! – era a voz de um sujeito debochado e cheio de ousadia – Não vim para essa cidade perdida no meio do inferno para cair numa armadilha de principiante!

Prendeu a respiração. Para seu alívio, ninguém do seu lado atirou. Sem a vantagem da surpresa, se o fizessem estariam todos mortos.

– Achei que fosse alguém de mais esperteza, Xerife! – continuou Monco, para então colocar uma nota de frieza em sua voz – Vamos ver se gosta de um tiroteio quando ele é levado para o meio de sua cidade.

E dizendo aquilo, voltou até seu bando. Uma nuvem de poeira os cobriu quando começaram a cavalgar em direção à Providência.

Wyatt levantou e em instantes sentiu a presença da Xerife ao seu lado. Quase voltou ao chão com o murro que levou no queixo.

Ela não disse nada enquanto buscava sua própria montaria, mas a fúria em seus olhos dispensava palavras. Wyatt seguiu-a, mal reparando que o garoto se afastara dele com medo no olhar.

Montados, os sete foram atrás de Monco como quem foge de um T-Rex.

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