Coisas Perdidas - Parte 8

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O encontrou no laboratório de Doc.

Chegou sem fazer barulho, com passos macios e a respiração controlada. O lugar estava completamente destruído. Precisou evitar os cacos de vidro, os pedaços de equipamentos quebrados e a carcaça inchada de um utahraptor. Precisou também evitar se recordar de quando o amigo ainda era vivo e trabalhava furiosamente naquele espaço completamente caótico, mas funcional.

O assistente estava na sala das incubadoras. Talvez o único lugar que Doc se importava em manter asséptico. Bem iluminado, com inúmeros ovos em ninhos artificiais e recheado de equipamentos limpos e delicados, mostrava a dicotomia entre a personalidade do velho e as necessidades de sua paixão.

O que restava do maquinário acumulava poeira e ferrugem. Sem iluminação, a penumbra só era cortada por um facho de luz que vinha da sala adjacente. Dos ovos, sobraram apenas cascas e gemas podres.

Wyatt deu um passo para dentro da incubadora, seu corpo bloqueando a maior parte da luz que escorria para lá. Dessa vez não evitou os destroços no chão e assim que sua bota estalou no vidro, Daniel parou com o ritual de preencher uma bolsa o mais rápido possível e se virou para ele. Ao lado do assistente, havia uma caixa de preservação idêntica à que tomara de Jamie Monco.

— Wyatt?! — perguntou, assustado — Por todos planetas do Velho Império, homem, quase me mata de susto.

Deu um passo para frente.

— Seria uma pena, não? Se morresse de susto.

Daniel olhou para os lados cheio de nervosismo. Gotas de suor brilhavam com a pouca luz que chegava até ele.

— Precisei vir até o laboratório... Algumas coisas... Eu tinha deixado algumas coisas aqui.

— Sabe, Daniel — disse Wyatt pausadamente — você nunca me disse como Monco soube do utahraptor. Pensei que me disse que Doc escondeu o bicho aqui dentro.

— Eu... eu não sei - tentou sorrir - bandidos tem seus meios, imagino.

— E quanto ao ovo? Como ele conseguiu saber qual era o certo?

O assistente não respondeu. Começou a tatear a bancada atrás dele.

— Ah é. É como você disse. Bandidos têm seus meios.

Fez uma pausa.

— Jamie Monco nunca chegou a tocar no ovo do utahraptor, não é mesmo?

Um bote no escuro. Daniel puxou a arma que estava atrás dele, mas o tiro de Wyatt jogou-a para longe. Por um instante, o disparo coloriu a sala de vermelho.

Daniel xingou e segurou a mão ferida.

— A descoberta ia mudar tudo — gritou — Era a chave que todos esperavam para modificar os grandes terópodes! E aquele velho ia deixar apodrecer nesse fim de mundo! Eu fiz o que tinha que fazer, Caçador Solitário.

Wyatt suspirou.

— E não é o que fazemos até o fim de nossas vidas?

Aquele tom pálido de vermelho iluminou a sala cinco vezes mais. Não houve convulsão, não houve movimento. Buracos perfeitamente circulares pontilharam o tronco de Daniel. Ele tentou o que deveria ser um sorriso, tentou engolir em seco e escorregou para o chão com toda a elegância de um moribundo.

Wyatt guardou o revólver e foi até a bancada. Com o rosto impassível, encarou o último projeto de Doc — desta vez o verdadeiro ovo de utahraptor modificado — na caixa de preservação.

Não podia deixá-lo ali. Não podia destruí-lo.

A Xerife estava certa, contudo. Com o tempo a espécie iria se espalhar na mão dos homens e chegaria o dia em que qualquer fora-da-lei teria alguma cria. Além disso, talvez o utahraptor fosse a chave para domesticar um T-Rex, e logo a coisa toda iria piorar. De qualquer forma, não fora por causa disso que Doc morrera? Porque alguém queria ampliar os horizontes da ciência?

Wyatt ainda ficou um tempo refletindo. Mas quando a decisão veio, ela fez todo o sentido.

Sempre detestou ser chamado de "Caçador Solitário".

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