— VOCÊ TÁ DOIDA?! — Ele gritou do chão, enquanto via em sua mão o que limpou da testa exposta.
— PARA DE GRITAR INFELIZ, MINHA VEIA TÁ CORTADA!
A adrenalina subia até meus cabelos enquanto eu corria para pegar uma toalha na gaveta que ajudasse a conter o fluxo de sangue.
Quando consegui uma, amarrei-a em torno do pulso. Desgovernada — e derrubando mais da metade de tudo o que estava na penteadeira —, peguei a bolsa com meus documentos.
— Aonde você pensa que vai? — Perguntou ainda sangrando, escorado na porta.
— QUAL PARTE DE QUE MINHA VEIA TÁ CORTADA E EU POSSO MORRER VOCÊ AINDA NÃO ENTENDEU?! Eu vou pra o hospital, seu demente. — Ele continuou parado. — SAI DA MINHA FRENTE E VÊ SE FECHA A PORTA. — Empurrei-o, saindo em disparada para o elevador.
Como se não bastasse estar no grupo de risco desse tal vírus, agora sabe lá Deus quanto tempo vou ficar no hospital.
— INFERNO! — O painel indicava que o elevador estava programado para subir até cinco andares acima do meu, antes de descer novamente.
A visão da toalha branca ensopando mais a cada segundo não me ajudava nenhum pouco. O meu problema não é vê-lo em si, mas sim imaginar como posso conseguir uma transfusão. "O foda" é ser uma trouxa altruísta até no fator Rh. Sou O+. Dou para todo mundo e não recebo de quase ninguém. Sangue, é claro.
Posso parecer leiga por pensar isso — afinal, pesquisas indicam que esse tipo sanguíneo é o mais comum entre as pessoas. Mas, nessa região da cidade, qualquer tipo de sangue é raro nos hemocentros. É mais fácil ser atropelado por um cachorro pilotando uma cinquentinha adulterada do que encontrar um doador voluntário em um raio de 15km.
Depois de alguns minutos de paranoias, o elevador abre a porta, parando novamente no meu andar.
— De novo essa... NÃO CHEGA PERTO DE MIM! — Exclamei, sinalizando com a mão livre.
— De novo, novamente. Você vai comigo.
— PRA QUÊ? — Cruzei os braços. Eu nunca confiei nele. Agora então...
— Se você não percebeu, você arrombou isso aqui. — Falou apontando à testa cortada.
Era agoniante ver a carne de seu rosto tão exposta. Bastou eu inconscientemente fazer cara de nojo para que fosse fuzilada por seus olhos.
Além de bizarro, o clima naquela pequena cabine era sufocante. Reparei no espelho quando ele olhou para o meu pulso. Instantaneamente levantou as sobrancelhas em um gesto assustado, pelo estado da toalha.
— Como você vai até lá? — Perguntou.
— Não sei, vou andando e vejo se consigo achar um táxi no caminho, não posso esperar um Uber. Olha como tá ficando! — Minha voz estava instável, embargada de desespero.
Saí apressada pelo saguão quando a porta abriu, deixando o pessoal da recepção incógnito.
— ESPERA! — Ele gritou quando eu estava chegando no portão.
Não liguei, apenas continuei correndo. Eram cinco quadras até o hospital. Talvez eu chegasse até lá sem desmaiar.
Minhas pernas perderam potência gradualmente a cada metro percorrido. Estava tão tonta que já não tinha mais noção de quanto faltava para que eu chegasse. Com a visão embaçada demais para me dar conta de um palmo à frente, mandei a toalha que segurava para o espaço quando me assustei com um carro freando bruscamente e encostando ao meu lado, na calçada. Ser sequestrada era o que me faltava para fechar com chave de ouro a madrugada da sexta-feira — que por coincidência ou não, era 13.
Caí quando tropecei em uma pedra irregular da calçada. Meus olhos ficaram pesados demais para que eu conseguisse abri-los. Minha voz desapareceu em um sussurro inaudível. Senti que alguém me carregava. A última coisa que lembro é de uma voz falar baixinho, perto do meu ouvido.
— Filha da puta.
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Amor em Quarentena
RomanceAna é uma universitária comum que estuda letras e vende doces para manter sua independência financeira. A monotonia de seus dias é findada com a chegada - ou invasão - do vizinho problemático na sua vida, em busca de vingança por todas as noitadas q...