2

271 37 70
                                    

— VOCÊ TÁ DOIDA?! — Ele gritou do chão, enquanto via em sua mão o que limpou da testa exposta.

— PARA DE GRITAR INFELIZ, MINHA VEIA TÁ CORTADA!

A adrenalina subia até meus cabelos enquanto eu corria para pegar uma toalha na gaveta que ajudasse a conter o fluxo de sangue.

Quando consegui uma, amarrei-a em torno do pulso. Desgovernada — e derrubando mais da metade de tudo o que estava na penteadeira —, peguei a bolsa com meus documentos.

— Aonde você pensa que vai? — Perguntou ainda sangrando, escorado na porta.

— QUAL PARTE DE QUE MINHA VEIA TÁ CORTADA E EU POSSO MORRER VOCÊ AINDA NÃO ENTENDEU?! Eu vou pra o hospital, seu demente. — Ele continuou parado. — SAI DA MINHA FRENTE E VÊ SE FECHA A PORTA. — Empurrei-o, saindo em disparada para o elevador.

Como se não bastasse estar no grupo de risco desse tal vírus, agora sabe lá Deus quanto tempo vou ficar no hospital.

— INFERNO! — O painel indicava que o elevador estava programado para subir até cinco andares acima do meu, antes de descer novamente.

A visão da toalha branca ensopando mais a cada segundo não me ajudava nenhum pouco. O meu problema não é vê-lo em si, mas sim imaginar como posso conseguir uma transfusão. "O foda" é ser uma trouxa altruísta até no fator Rh. Sou O+. Dou para todo mundo e não recebo de quase ninguém. Sangue, é claro.

Posso parecer leiga por pensar isso — afinal, pesquisas indicam que esse tipo sanguíneo é o mais comum entre as pessoas. Mas, nessa região da cidade, qualquer tipo de sangue é raro nos hemocentros. É mais fácil ser atropelado por um cachorro pilotando uma cinquentinha adulterada do que encontrar um doador voluntário em um raio de 15km.

Depois de alguns minutos de paranoias, o elevador abre a porta, parando novamente no meu andar.

— De novo essa... NÃO CHEGA PERTO DE MIM! — Exclamei, sinalizando com a mão livre.

— De novo, novamente. Você vai comigo.

— PRA QUÊ? — Cruzei os braços. Eu nunca confiei nele. Agora então...

— Se você não percebeu, você arrombou isso aqui. — Falou apontando à testa cortada.

Era agoniante ver a carne de seu rosto tão exposta. Bastou eu inconscientemente fazer cara de nojo para que fosse fuzilada por seus olhos.

Além de bizarro, o clima naquela pequena cabine era sufocante. Reparei no espelho quando ele olhou para o meu pulso. Instantaneamente levantou as sobrancelhas em um gesto assustado, pelo estado da toalha.

— Como você vai até lá? — Perguntou.

— Não sei, vou andando e vejo se consigo achar um táxi no caminho, não posso esperar um Uber. Olha como tá ficando! — Minha voz estava instável, embargada de desespero.

Saí apressada pelo saguão quando a porta abriu, deixando o pessoal da recepção incógnito.

— ESPERA! — Ele gritou quando eu estava chegando no portão.

Não liguei, apenas continuei correndo. Eram cinco quadras até o hospital. Talvez eu chegasse até lá sem desmaiar.

Minhas pernas perderam potência gradualmente a cada metro percorrido. Estava tão tonta que já não tinha mais noção de quanto faltava para que eu chegasse. Com a visão embaçada demais para me dar conta de um palmo à frente, mandei a toalha que segurava para o espaço quando me assustei com um carro freando bruscamente e encostando ao meu lado, na calçada. Ser sequestrada era o que me faltava para fechar com chave de ouro a madrugada da sexta-feira — que por coincidência ou não, era 13.

Caí quando tropecei em uma pedra irregular da calçada. Meus olhos ficaram pesados demais para que eu conseguisse abri-los. Minha voz desapareceu em um sussurro inaudível. Senti que alguém me carregava. A última coisa que lembro é de uma voz falar baixinho, perto do meu ouvido.

— Filha da puta.

Amor em QuarentenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora