Se portando como os adultos que somos

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O nosso corpo responde quando algo ruim acontece. Muitas vezes, mais rápido do que nosso cérebro. Seja uma dor de cabeça, um estômago irritado ou a vontade de sair de perto de outras pessoas. O problema é quando a resposta natural do seu corpo é virar um enorme urso-da-lua. Isso sim é bastante inconveniente. No entanto, essa era a função e a habilidade de Vidya, se transformar para defender o herdeiro de Polaris e impedir que algo ameace a paz do planeta.

Quando ainda tinha apenas dezessete anos ela soube pela mãe que seu pai tinha deixado uma carta que só poderia ser aberta quando ela fosse mais velha e quando 'algo grande acontecesse'. Quando isso aconteceu pela primeira vez, Vidya concluiu que só podia ser esse o 'algo grande'. Mas achou que a forma do pai de comunicar isso foi um tanto sacana. Mas foi assim que ela soube que não só era meio indiana, como era meio alienígena, meio urso e meio várias outras coisas. E que sua função era guiar e proteger o planeta que se escondia no coração da constelação das Ursas e suas culturas distintas e fragmentadas.

Quando pequena0 desconfiava que o pai não era muito normal, com vários piercings e alterações estranhas no corpo, mas ele faleceu num acidente antes que ela pudesse pedir explicações.

Polo apareceu na sua vida porque o planeta dele se encontrava em guerra com o povo Solar, e a mãe dele liderarava um último e sangrento avanço contra o perverso herdeiro e meio-irmão de Polo, Kali. Mas Vidya tinha uma visão diferente das coisas, e acabou conseguindo encontrar espaço no coração de Kali para perdoar e desistir de tudo. Era aquela velha história de tudo ser produto de anos de decisões ruins e pontos de vista muito diferentes. Kali e Polo eram o resultado disso. E suas desavenças nasceram daquilo que tinham vivido e absorvido em todos seus anos de vida, mas ainda havia espaço para reconstruir e começar do zero. Desde que Kali recuou e Polo partiu para Polaris para resolver as coisas, Vidya nunca mais precisou se transformar ou brigar com os ursos espirituais que protegiam os irmãos.

Achou que não precisaria mais.

Mas a paz é um assunto delicado, assim, bastou um deles falando grosso pra que o corpo dela reagisse em resposta. Pronto para atacar e defender.

***

Você consegue imaginar um urso fazendo cara de cansaço? De pé apertando as patas contra o focinho e balançando a cabeça em uma negativa? Fica um pouco mais surreal imaginar isso no meio da sala de estar de um apartamento. Mas esta é a cena atual da casa de Vidya.

Assim que os dois recuaram, e os ursos os seguiram ela voltou a sua forma humana. Controlando sua respiração e tentando fazer com que sua cabeça entenda que não tem nenhum planeta em perigo precisando ser salvo.

"É só uma discussão entre dois adultos! Não estamos começando nenhuma guerra primordial não, seus ursos desesperados!" Pensou enquanto olhava fixamente para os dois avatares de ursos na sala, castor e nevasca. Que logo deitaram no chão e ficaram olhando para os protegidos.

— Vocês estão satisfeitos? — Perguntou enquanto olhava de Polo para Kali. — Eu não sei o que você andou fazendo, Polo, mas eu acho que vocês realmente precisam conversar e se atualizar sobre os acontecimentos dos últimos anos. Sobre questões políticas e sobre questões familiares que nesse momento eu não quero me envolver. Eu vou dormir na casa de uma amiga e quando vocês se resolverem me chamem. Kali, você sabe meu número.

— É... certo, certo. Vai na Brenda?

— Sim. De lá eu vou pro trabalho direto.

— Certo. Podemos conversar depois? 

— Uhum.

E pegando a bolsa e algumas pastas cheias de papéis saiu porta afora. Aos dois homens na sala, só restou sentar e conversar. Como dois adultos minimamente civilizados. Ainda que a vontade de cada um fosse passar as próximas horas gritando. Não queriam mais repetir os erros do passado. E isso já é uma baita prova de evolução do pensamento dos dois.

***

Brenda recebeu Vidya numa boa. Estava tarde, mas ela ainda estava acordada assistindo um reality show na TV. As duas se conheceram no último ano do colégio e Vidya contou com o apoio dela enquanto tentava deixar de lado tudo o que tinha vivido em Polaris e tentar se adaptar a uma vida normal. A mãe de Brenda tinha uma loja de produtos esotéricos, então foi fácil as duas desenvolverem uma simpatia mútua, como se compartilhassem uma estranheza em comum. Era a garota que viajou pelas estrelas e a garota que vivia com a cabeça entre as estrelas. Seus destinos combinavam de certa forma.

Vidya pedia socorro poucas vezes. Ela estava sempre disposta a guiar e aconselhar, não o contrário. Brenda era uma dessas pessoas que pareciam sempre ter tudo sob controle. Ou se importava muito pouco quando as coisas saíam do seu controle. Assim, Brenda sabia que algo tinha acontecido de ruim pra Vidya aparecer na porta dela toda descabelada e cheia de papéis na mão. Sabia que a amiga não queria voltar pra casa logo e que precisava de espaço pra desabafar. Como nos velhos tempos

— Aconteceu alguma coisa?

— Mais ou menos, sabe aquele meu ex que nunca foi namorado? Aquele da época da formatura do colégio?

— Ai ai, sei...

— Ele veio. Tá tudo bem, sabe? Eu só não tô com paciência pra lidar com ele e o irmão dele.

— Fica à vontade amiga. Eu só vou tirar a celeste de cima do colchão do escritório e você fica lá. Vai no escritório amanhã?

— Vou sim.

— Quer conversar ou quer ficar sozinha?

— Acho que só quero descansar, Bê. Não sei nem por onde começar a te explicar tudo que rolou hoje.

— Tudo bem, Vidi, a gente se fala amanhã ou quando você se sentir melhor. Eu vou fazer um chá e deixar aqui. Tá?

— Obrigada...

No outro dia elas foram juntas pro trabalho. Conversaram sobre o trânsito, sobre a gata de Brenda que acordou no meio da noite e começou a correr pela casa e depois se aninhou no cabelo de Vidya. Riram, cantaram juntas e se despediram na porta do escritório. Brenda deixou com ela um cristal pra ajudar na concentração e foi embora cuidar da loja. Sabia que Vidya não era muito ligada com essas coisas. Mas pelo menos teria algo dela perto da amiga. A intenção contava muito mais que o efeito. Brenda queria o melhor pra amiga. E torceu muito pra que esse ex idiota fosse embora logo.

Do outro lado da cidade, Polo estava saindo do apartamento, com um mapa nas mãos

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Do outro lado da cidade, Polo estava saindo do apartamento, com um mapa nas mãos. Queria ir encontrar Vidya na saída do trabalho e conversar com ela, ter um momento de paz pra se explicar.  Devia a ela pelo menos isso, e provavelmente devia entregar os presentes de aniversário que vinha guardando por tantos anos. Ele se lembrava o quanto aniversários tinham sido difíceis pra ela desde que descobriu o destino a que foi escolhida. 

Mas assim que saiu do hall de entrada do apartamento sentiu uma pontada aguda nas costas. Que o fez dar um pulinho assustado e olhar pros lados pra ver se não tinha sido picado por algum inseto ou qualquer coisa do tipo. Teve um pressentimento ruim sobre sair de casa, mas continuou a caminhar.

Eu era uma escolhidaUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum