DEZ

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Passo a apenas existir. Meu quarto vira minha toca e não permito que haja luz, como se a escuridão pudesse esconder o que não estou disposto a encarar. Não agora que estou em pedaços.

Mas, a realidade não condiz com a paz que eu desejo, onde minha mãe insistente fica batendo na porta, perguntando o que aconteceu e por que eu estou recusando as ligações de Elay. E, não importa que eu peça para que ela me deixe quieto, minha mãe sabe que algo está errado e não entrega a toalha tão fácil.

Consigo evitar Elay por uma semana, mas acabo tendo que sair para a vida real caso não queira que minha mãe arrombe a porta do quarto. Nessa semana, tentei ocupar minha mente pedindo para que meu pai me ensinasse a dirigir, o que ele faz orgulhoso. Sou péssimo com minha coordenação motora, mas uma semana depois já consigo sair com o carro sem deixá-lo morrer quinhentas vezes, embora ainda dê pulos toda vez que troco de marcha.

Uma das vantagens de morar numa cidade pequena é que a fiscalização de trânsito não é das mais aguçadas, por isso é natural que as pessoas comecem a dirigir cedo por aqui. Já faz um tempo que meu pai vem sugerindo que eu aprenda e acaba sendo a distração perfeita.

Elay para de tentar fazer contato comigo através de ligações ou mensagens, e decide me interceptar pessoalmente. Sou encurralado justo quando volto de uma das minhas aulas de direção, encarando uma Elay enfurecida plantada no portão de casa. Ela aponta o indicador na minha cara e diz com raiva:

― Você vai me escutar!

Penso nas minhas possibilidades de fuga, mas não acho que sair correndo seria inteligente da minha parte. Além do mais, dizer não para ela nunca foi fácil, mas agora parece impossível. Elay quando fica brava é bastante fervorosa e assustadora, como um pinscher. E seria infantil da minha parte negar o diálogo que eu tanto evitei.

Ela pede para que eu a acompanhe numa caminhada pelo quarteirão e eu aceito sem relutar. Nunca a vi tão inquieta e percebo que sou um possível saco de pancadas.

Quando já andamos uns duzentos metros ela começa:

― O que aconteceu na praia foi impulsivo, eu sei, mas não fiz por causa daquele pacto estúpido, eu nunca levei aquela coisa a sério.

Não digo nada, até porque percebo que ela não terminou, apenas está fazendo uma pausa para respirar e se organizar.

― Bianca e Glorinha se importam com esse tipo de coisa, eu não dou a mínima, você sabe disso, eu não sou assim.

― Eu não sei mais nada sobre você ― solto, libertando um pouco do que tenho prendido todo esse tempo. Mas percebo que foi um erro assim que Elay contorce o rosto.

― O que quer dizer?

Sinto meu maxilar enrijecer.

― Quero dizer que você não é mais a mesma, desde que começou a andar com essa galera idiota. Você sabe que eles sempre riram da gente, por que mudou de lado?!

― Eu não mudei de lado!

― Eu nem te reconheço mais...

Sua expressão é de indignação e eu estou trêmulo. Não é nada libertador dizer essas coisas em voz alta, como imaginei que pudesse ser.

― Você só está se mordendo de ciúmes ― ela diz, acelerando o passo. ― As pessoas mudam, Thalles, se você acha que eu iria ficar numa bolha medíocre como você, está muito enganado.

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