Kherollyn (Ou a busca por uma família)

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O natal é um dos únicos momentos do ano em que finalmente as equipes de robótica param de trabalhar. No colégio Pensar, na região de Jundiaí, os alunos da equipe de robótica tinham um calendário que ia até dia 20 de dezembro, a partir dessa data, ficava então proibido sequer entrar na sala de treinamento. Essa política não era questionada por praticamente nenhum aluno. A não ser por Kherollyn, cujo pais eram um diplomata e um militar condecorado americano. Assim, na maioria dos feriados ela era obrigada a ficar em casa sozinha a não ser pela "companhia" de um segurança no quintal de sua casa. Sendo assim, para disfarçar sua constante solidão em casa, ela adorava ir aos treinos, de maneira indireta ela inclusive implementou treinos que iam até as 10 da noite (ela se recusava a sair da sala, então era melhor todo mundo ficar lá junto), desta maneira ela podia chegar em casa, comer algo e já dormir e não ter que pensar em sua solidão. Esses feriados de final de ano eram especialmente complicados já que todo mundo ia para suas respectivas famílias, se preparavam para viagens em família, compravam presentes, entre outras ações rotineiras para a época de natal e ano novo. Enquanto que Khel não tinha com quem celebrar, ninguém para fazer um jantar especial ou entregar presentes ao vivo (seus presentes costumavam chegar com alguns meses de antecedência, por navio). A sua árvore de natal era enfeitada por ela mesma, não precisava sequer da ajuda de algum segurança já que era muito alta para uma menina de 16 anos. Quem visse a empolgação dela decorando a árvore, vestida de vermelho e verde com seus longos cabelos loiros e bem cuidado; jamais desconfiaria que ela passava um natal tão solitário. A relação dessa menina com o feriado era complexa: por um lado ela amava tudo sobre o natal, as canções, os filmes clichês, as comidas, árvore de natal, tudo que parecesse remotamente relacionado ao papai noel e seu dia especial, também era especial para ela. Todavia toda essa empolgação acontecia antes do dia 25, o dia em si era solitário, triste, desanimador. Esse ano ela decidiu mudar isso, decidiu que dessa vez ia fazer algo que amava no natal: robótica.

Em todo esse tempo de solidão de Kherollyn, que começou principalmente quando ela tinha 10 anos de idade e o mundo passou a travar uma batalha entre os hemisférios, seus pais tiveram que fazer viagens quase que semanais e para que a filha não ficasse a toa, colocaram ela no grupo de robótica e foi amor á primeira vista. Dali então, todos os seus instantes livres eram dedicados a isso. Os seus professores e conselheiros pedagógicos chegaram inclusive a aconselhá-la a entrar em outras atividades, até mesmo a própria equipe de robótica chegou a indicar alguns outros grupos que a fizessem levar os valores que ela havia aprendido dentro da equipe, para o mundo real. Mas tudo que ela queria era fazer robôs. Além dos robôs que ela era responsável (um robô atacante de futebol e um robô para construir paredes de blocos de madeira de até 1m); ela também fazia alguns robôs dentro de casa, dos mais variados tipos, entre eles: um para acordá-la e sair correndo pela casa cujo alarme só era desativo ao "capturá-lo", um robô que colocava suco no copo dela, ele funcionava apenas para uma marca de suco, um modelo de caixa e um tipo de copo (que era tão antigo que todos os outros já haviam quebrado), existia todo um valor sentimental ao redor desse robô. Quando Kherollyn ficava entediada, ela tentava fazer um robô para resolver algum problema. Neste natal, ela elencou 4 problemas:

Os seguranças do colégio que ficavam no turno da madrugada (apenas dois, ambos adoravam ela, mas ainda assim a impediriam de ir para a sala da robótica).

A trava eletrônica de todas as salas do edifício.

A luz forte que a sala emite para fora quando tem alguém dentro (um sistema automático que ela mesma havia desenvolvido).


É importante notar que Khel não decidiu da noite para o dia que iria invadir o colégio e passar o natal trabalhando em algum robô, preparando algum artigo ou fazendo testes nos robô. Ela passou o ano todo tentando convencer a todos de que seria uma ótima ideia (ela fazia questão de dizer que uma ideia ótima era melhor do que uma ideia boa). Eles poderiam fazer uma festa natalina totalmente temática, poderiam fazer robôs natalinos (ela tinha todo um artigo pra lá de científico sobre o que seriam "robôs natalinos"). A melhor ideia de todas, que conseguia unir todas as anteriores era a de criar um filme natalino sobre robótica, ela tinha até o roteiro desenvolvido. Um dos seus planos para quando entrasse no colégio era inclusive reproduzir um pouco disso tudo para que os outros alunos quem sabe não se animavam no ano seguinte em fazer. Porém a resposta de todos frente as suas ideias havia sido pratcamente a mesma; "Desculpa... Mas preciso passar o natal com a minha família". O que era totalmente compreensível, não eram todos eles que os pais abandonavam até nos momentos mais importantes; ela entendia, mas isso não a impedia de ficar triste.

Para o seu segurança, tudo que ela disse foi que ia passar a data com alguns amigos e que eles não precisava se preocupar, era um lugar seguro. Assim ela saiu de casa com uma mala na mão e outras nas costas, ás 20h00 do dia 24 de dezembro. Quem a visse de longe ia achar que ela era um papai noel moderno fazendo suas últimas entregas. Chegando ao colégio seu primeiro robô iria entrar em ação, ele dependia de alguns fatores externos, mas se funcionasse seria genial para aquela situação. Ele seria lançado em uma posição bem próxima dos guardas e fazer barulho, assim eles iriam correr atrás dele, o nome desse robô era João pois a lembrava de um aluno muito brincalhão da sala dela. Com um sensor de som externo, assim cada vez que ficasse silêncio o robô ficaria parado, se ouvisse barulho (ela esperava que fosse sempre o som dos passos do guardas), ele fugiria. Bem escondida, ela colocou o robô próximo aos guardas e mandou ele começar a funcionar. Uma curiosidade foi que ela notou um olhar curioso, quase cômico entre os guardas assim que viram o robô, era como se eles já esperassem aquele robô, o que era pouco provável já que ela tinha começado a fazê-lo naquela manhã.

Para não perder tanto o espírito natalino quanto tudo que havia aprendido na robótica, Kherollyn preparou presentes para todas as pessoas que estariam envolvidas naquele plano. Primeiro ela preparou uma torta de amora para o seu segurança pessoal. Depois, ao perceber que os guardas já haviam seguido o seu robô, correu até o local onde estavam antes e deixou a cada um deles um CD de suas bandas favoritas (Ghost Stories do Coldplay e Merry Christimas da Mariah Carey). A primeira parte do plano estava completa, era hora de entrar no colégio. Nas aulas de computação, os professores sempre usavam o mesmo exemplo quando tratavam sobre segurança, o mesmo sistema; coincidência ? Khel achava que não. O outro robô então tinha uma câmera para verificar se vinha alguém no corredor, caso não tivesse ninguém, ele ia até a entrada da sala, logo a sua frente, e decifrava o sistema. Neste caso, como presente decidiu deixar uma caixa com um sistema novo e mais avançado que impediria que crianças de 16 anos pudessem invadir a escola em plena véspera de natal, devido a atenção aos detalhes e destreza desse robô, decidiu chamar esse de Yasmin, sua colega mais dedicada a escola. Faltava então a última parte: as luzes que chamariam a atenção. Para sua surpresa as janelas estavam completamente fechadas por dentro o que diminuiria muito as chances de qualquer luz ser avistada de fora, mas para não perder a viagem, decidiu colocar seu último robô lá de qualquer maneira: a Fabiana. Pois ele mostrava algo por fora, mas podia conter algo inesperado dentro, era em homenagem a sua melhor amiga que de maneira discreta e sem chamar tanto a atenção conseguia ser a pessoa mais incrível que ela já havia conhecido. O robô ficava na janela e conseguia simular diferentes tipos de ambientes, no caso específico era mais fácil: simular que não havia ninguém lá. Como o robô em si era muito legal e útil, Kherollyn decidiu que deixar ele lá já seria um presentão para o colégio.

Enfim, o grande momento, seu plano havia dado certo, era só ela entrar lá e curtir o natal que tanto sonhou. A questão é que aquele jamais seria o natal que tanto sonhara. Porque ela não queria apenas montar robôs, fazer coisas para a equipe, etc. Ela queria fazer tudo aquilo com os colegas dela: o Reginaldo, o Alex, o Breno, a Rafaella, a Elisabete, todo mundo. Sem eles nada mais teria tanta graça. Por um instante hesitou em entrar, talvez não fizesse sentido e ela continuaria sozinha. Porém, como já tinha dado todo esse trabalho decidiu dar um pessoa frente, abrir a porta da sala e se deparar com tudo aquilo que há de mais mágico.

Por um momento tudo era uma fantasia, não podia ser real, não fazia sentido. Mas no instante tudo era real, mágico e com razão. Esperando por ela estavam todos os membros do time, suas famílias, sua professora de robótica Elisabete e acima deles uma grande faixa dizendo "Happy Khel Xmas !".

FELIZ NATAL ! - No momento em que todos gritaram isso, Kherollyn só conseguiu chorar, todavia passados alguns segundos ela foi capaz de responder.

O que ? Como ? E suas famílias ? E o Natal em família de vocês ?

Você também faz parte da nossa família Kherollyn ! Não podemos deixar ninguém para traz: "Somos um time !"

Durante a festa eles explicaram a ela que já imaginavam esse plano dela e decidiram deixar ela fazer, afinal amavam a criatividade dela, os seguranças já esperavam também, mas foram surpreendidos pela genialidade da ideia. A festa contava com tudo que ela havia comentado: uma árvore de natal enfeitada com peças de robôs antigos, câmeras para fazer um vídeo de natal, uma festa repleta de comida e pessoas divertidas. Dali em diante Khel nunca mais pode dizer que era solitária, onde fosse ela seria pra sempre do time "No limits".

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