Triagem

13 1 0
                                    

[Tri.a.gem. substantivo feminino.]

Separação; processo através do qual os pacientes são separados por ordem de acordo com a gravidade de sua condição; triagem médica.

_______,,_______

Sinto os olhares de todos sobre mim, mais uma vez. Quisera eu que esse pesar, esse sentimento de desconforto me fosse tão conhecido como a convecção de que, não importa o que eu faça ou deixe de fazer, sempre estarão olhando para mim. Mas infelizmente não é desse modo que as coisas funcionam.

E já que não posso me sentir mais confortável sendo o centro das atenções mais uma vez, então pelo menos posso fingir que não sei o que estão encarando, ainda que suas vozes sejam altas o bastante para que eu consiga ouvir, mesmo ainda estando um pouco longe. Mantenho os olhos na bandeja cheia em minhas mãos, minha concentração nas solas de meus pés, que me levam adiante pelo caminho já memorizado. Meus nódulos estão um pouco mais pálidos do que o restante de minha pele pelo esforço em não tremer e não deixar nada cair, e eu detesto que minhas cicatrizes fiquem mais evidentes desse modo, mas aí estão elas - linhas pálidas que se entrelaçam ao longo das costas de minha mão, indo e voltando do pulso, até as pontas dos dedos, livres como borboletas. Elas não doem mais, o que não quer dizer que sejam menos feias. Antes que possa perceber, estou fazendo careta para minhas próprias mãos; a comida nas divisórias me encara de volta, confusa por um segundo até perceber que meu problema não é com ela.

Afinal, quem poderia ter algo contra frango desfiado? Não sei. Não faço a mínima ideia.

Puxo minha cadeira pelo respaldo, após me assegurar que a bandeja está firme sobre a mesa, sentando-me e deixando a mochila em meu ombro deslizar de encontro ao chão. Estranho soaria para os demais se aquele fosse o meu absoluto primeiro dia, e eu estivesse carregando-a para cima e para baixo em pleno intervalo, mas não era o caso; agora é o segundo mês, do primeiro semestre, do último ano - e eu aprendi logo cedo que os cadeados dos armários não são seguros e que o roubo é uma prática deveras comum entre os alunos da minha escola. E uma vez que não me é incômodo levar minhas coisas aonde quer que eu vá, interpreto que não há motivo nenhum para me privar de tal possibilidade. Ainda mais considerando o cuidado que tenho que ter para com um dos meus objetos em questão. Por praxe, e não por medo de que pudesse ter simplesmente desaparecido ao meu pensamento relacionado, abro o zíper principal, prendendo a respiração por tempo o bastante apenas para perceber que não arde ou queima nenhum dos meus nervos eternamente traumatizados; a brecha em meio ao breu do espaço limitado me permite ver a parte de cima da pasta de couro, as tiras firmemente atadas resguardando o que muito possivelmente é meu maior tesouro enquanto vivente.

Minha coleção de desenhos é meu bem mais precioso, em parte porque me levou muito tempo, esforço e dolorosas seções de fisioterapia até adquirir controle o bastante para segurar uma caneta que seja e fazer uma linha reta; me recordo de cada detalhe das seções infinitas, do quanto tudo aquilo me tinha parecido estúpido e de como queria morrer, desistir e amaldiçoar Jaehyun até sua quinta geração por me torturar daquela maneira - não necessariamente seguindo essa ordem. Mas ao fim, algo do que ele havia dito fazia sentido. Descobri um prazer inimaginável, uma satisfação que me atingia como uma bala de canhão toda vez que tinha mais um esboço pronto em mãos, a folha de papel acariciando minha pele com a suavidade de plumas; aprendi a amar os lápis e as tintas, minhas velhas companheiras de dias mais felizes e mais tristes, em simultâneo, haviam ressurgindo com novo significado para mim. Um significado que vinha junto com o segundo motivo que tornava meu portfólio tão especial para mim - e tratava-se da inspiração por trás dos meus desenhos.

Epitáfio×2×LeeWhere stories live. Discover now