Prólogo

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Milena

Cinco anos antes...

Ainda não sei o que me levou a remexer no passado, pois há quatro anos eu estava nesse mesmo dilema, e agora aqui estou eu, cutucando feridas que ainda machucam o meu coração e a minha alma, se impregnando nela para nunca mais deixá-la.

Lidar com isso sempre me deixa sem chão. Não estou reclamando do vazio que se encontra no meu coração, pois é ele que me mantém viva. Sempre convivi com isso e soube administrar com muita astúcia essa dor camuflada em determinação e coragem.

Não vou negar que nunca deixei de procurar respostas para entender minha verdadeira identidade, meus laços de sangue. E tudo para quê? Para me deparar outra vez com o vácuo perdido no tempo? Com o nada?

Descobri algumas coisas quando eu tinha apenas quinze anos de idade. Muitas vezes eu me pego pensando que seria melhor viver na ignorância, pois não me sentiria tão amargurada. A dor extravasa de tal forma, que me dilacera, como agora. Muitos sentimentos desconexos e nenhuma lembrança. É tudo o que tenho.

Amo os meus pais e minha irmã mais nova. Eles são a razão pela qual suportei tudo que a vida me apresentou até aqui. Foi devido à presença deles, do amor incondicional, de sua força e carinho. Eles estão sempre ao meu lado, me dando apoio, ânimo e fé para continuar minha caminhada. Caso contrário, eu teria desistido.

Meus pais são professores, e foi graças ao esforço dos dois que Lívia e eu fomos matriculadas em escolinhas de idiomas, em cursinhos e escola de dança. Enfim, meus pais abdicaram de boa parte da vida por suas filhas. Para a alegria de papai e mamãe, nós duas estamos quase formadas. E é devido a isso que eu consegui chegar onde estou. Um dos meus maiores sonhos, graduar-me em Direito, em breve se tornará realidade. O outro grande sonho é passar no concurso do Ministério Público. Sei que é uma longa jornada, pois ainda tenho o exame da Ordem dos Advogados para enfrentar. Mas eu tenho certeza que irei conseguir.

Observo pela quinta vez as informações contidas no documento que estou segurando e meu coração se contrai. Mesmo sabendo que as chances de descobrir toda a verdade a respeito de meu passado sejam ínfimas, eu ainda mantenho acesa a chama da esperança em mim.

— Milena. — A voz de Úrsula, minha psicóloga e amiga, me tira de meus pensamentos. — Por que você não esquece isso e se concentra em sua formatura que será daqui quinze dias, hein?

— Eu queria tanto esquecer certas coisas, mas não consigo. — Coloco o documento dentro da bolsa e me endireito na poltrona a sua frente, em seu consultório.

— Eu te entendo, mas você age como detetive desde a adolescência. E isso não é saudável! — Ela balança a cabeça, como gesto de desaprovação. — Você precisa aceitar a vida como ela é agora e, principalmente, se aceitar como você é! — Aponta o dedo indicador na minha direção e sorri.

— Mas eu tenho o direito de saber a verdade, Úrsula — Insisto e ela tira os óculos de grau.

— Sabe Milena, nem sempre saber a veracidade dos fatos melhora a nossa vida. Algumas vezes, é melhor esquecer e seguir adiante — aconselha.

— A vida não foi justa comigo. — Fecho os olhos, tentando dissipar a dor que começa a reacender no peito. Úrsula se levanta, contorna a mesa e vem ao meu encontro. Com o semblante terno, ela puxa a cadeira e se acomoda ao meu lado.

— Escute-me. — Ela segura minha mão com carinho. — Você é linda, inteligente, tem uma família que te ama, está se formando no curso que sempre sonhou e tem tudo para ser uma grande profissional em sua área. Siga meu conselho: viva a sua vida e busque a felicidade.

— Queria ver em mim o que você acaba de dizer, mas eu não me vejo assim. — Puxo minha mão da sua e respiro fundo. — Eu não me considero nada disso que você diz. A não ser o fato de que lutei muito para conseguir realizar o meu sonho, que é me graduar em Direito. — Ela balança a cabeça em desaprovação pela segunda vez. — Você sabe o quanto foi difícil para eu conseguir passar no vestibular. Você e a Malu são as únicas pessoas, além de minha família, que sabem o que eu enfrentei de verdade, Úrsula.

— Milena, deixe de se autoflagelar, por favor. Se ame mais, seja feliz — aconselha em tom firme. — Olhe para você! — Faz sinal com a mão em minha direção. — É uma menina linda, com a vida pela frente e tem tudo para se dá bem.

— Eu já ouvi essa conversa antes. — Reviro os olhos me levantando, sentindo a inquietude tomando conta de mim.

— E eu voltarei a repeti-la sempre que for necessário, meu bem! — Ela se levanta e sorri.

— Bem, eu preciso ir! — Abro um sorriso e ela me acompanha até a porta.

— Pense no que eu te disse e, por favor, se concentre em seu presente e futuro e esqueça de vez o seu passado — diz abrindo a porta.

— Eu prometo que tentarei. — Sorrio e beijo seu rosto. — Tchau, doutora.

— Tchau, futura doutora. O meu vestido para sua formatura já está comprado. — Dá uma piscadinha.

— Eu tenho certeza que é um arraso. — Sorrio.

Instantes depois eu estou dentro de meu carro, em frente ao edifício onde funciona o consultório de Úrsula. A vontade que tenho é de sumir, desaparecer. A dor emerge com fúria, assim como o pranto que tanto segurei após ler esse maldito documento que só serviu para me trazer mais desalento. Esmurro o volante com tanta raiva que sinto os ossos das mãos doerem. Abaixo a cabeça, apoiando a testa ao volante e deixo a tristeza, bem como a solidão tomarem conta de mim.

Por que não consigo lidar com essa merda toda? Será que sempre sentirei um vazio em meu peito? Deus, quando esse tomento acabará? Quando?

Amor em Julgamento - Degustação - Somente alguns capítulosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora