O som das cordas

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A última vez que vira seu pai, Helena Ravenclaw tinha onze anos e a lembrança estava tão viva como se aquilo tivesse acontecido apenas um dia antes. Lembrava-se de como o homem estava pálido e tremendo, sendo sempre interrompido pela tosse e com a sua magia tão fraca que não passava do resquício de uma nota enquanto a corda da harpa ainda vibrava. Ele ainda assim lhe dizia que ela podia ir aproveitar o dia, pedia para ela ficar calma e ir até o jardim de Helga para olhar as plantas por ele, e prometia que, assim que ficasse melhor, iria lhe ensinar alguma música nova na harpa.

Dois dias depois, Helena estava parada nas margens do lago negro de Hogwarts, vendo o barco com o corpo de seu pai queimando. Os dedos doíam por apertar demais o lírio que colocara no barco, antes deste queimar. Por alguma razão, jogar colocar aquela flor sobre as mãos de seu pai seria admitir que aquilo era um adeus sem volta, mas no fim o fez, antes de se agarrar na capa de sua mãe, tentando não chorar. Godric não estava chorando e ela, de inicio, não ousava erguer o rosto para ver se Rowena estava.

Talvez não fosse certo dizer que aquela fora a última vez definitiva que vira, talvez apenas a última com ele vivo. Ao longo dos anos, no entanto, sonhar com seu pai se tornara algo comum. Eram sonhos simples nos quais, na maioria das vezes, eles estavam nos jardins – ele amava aqueles jardins, empatando com a Torre de Astronomia se tivesse que escolher um local favorito em Hogwarts – apenas conversando. Ele lhe contava histórias que ouvira antes de ir para Hogwarts ou histórias pelas quais passara com sua mãe, lhe dizia que tudo iria ficar bem e que ela não tinha o que temer, afinal, ainda tinha Rowena ao seu lado.

Helena amava essas noites nas quais sonhava com ele, acordava ainda ouvindo o som da voz de seu pai e conseguia permanecer quase o dia inteiro bem. O problema vinha quando encontrava com sua mãe e a imagem da Rowena Ravenclaw sorridente que montava em dragões e ria enquanto voava contrastava demais com a Rowena Ravenclaw com a expressão fechada e voz regulada que via na sua frente. Aquilo parecia puxá-la de volta para a realidade, aquela onde seu pai estava morto e nunca mais lhe contaria histórias.

Ela daria de tudo para ter seu pai por perto outra vez, para vê-lo fora de um sonho, para que a presença dele fizesse tanto ela quanto sua mãe ficarem bem outra vez.

Helena nunca imaginara que vê-lo de novo fosse lhe deixar tão desesperada.

Thomas Ravenclaw continuava pálido e com as olheiras de sempre, mas agora o seu sorriso era triste e, apesar de parecer estar ao ponto de chorar e de até mesmo sua voz soar embargada, não havia lágrimas molhando o seu rosto. Ora, ela mesma queria chorar – por poder vê-lo, por medo do que acabara de acontecer, por medo do que iria acontecer – e não conseguia.

"Você aprende a chorar sem lágrimas," ele disse, erguendo uma mão e acariciando o seu rosto. Não conseguia sentir aquilo, o máximo que tinha era uma sensação leve de frio, mas ela logo desaparecia.

Ela queria abraçá-lo, queria sentir o cheiro de madeira que ele normalmente exalava, queria ouvir o som leve que a magia dele carregava – isso, pelo menos, conseguia ouvir um pouco -, queria brincar com seus cabelos ou traçar a cicatriz nos braços dele. Mas logo descobriu que nem mesmo fantasmas conseguiam tocar outros fantasmas, eles apenas atravessavam uns aos outros, deixando aquela sensação engraçada de algo gelado. Mas seu pai parecia contente com aquilo, ele parecia entender que aquele contato estranho de dedos atravessando um ao outro era o máximo de conforto que podiam ter e se contentava com isso. Thomas sempre fora alguém que se alegrava com coisas simples.

"Desde quando...?" a garota perguntou, sentindo sua garganta parecer fechar com a vontade de chorar.

"Sempre estive aqui," ele falou, sorrindo fraco, aquele sorriso que dava sempre que tentava não alarmar ninguém. "Nunca deixei vocês. Eu não podia deixar minhas estrelas assim."

O EnforcadoWhere stories live. Discover now