03 || ♡.𝑽𝒆𝒏𝒆𝒓𝒆 𝒑𝒊𝒂𝒏𝒈𝒆°୭̥

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Dizem que chorar lava a alma e liberta. Vênus está derramando a água de seu nascimento pelos olhos, e eles assistem.

.𝑽𝒆𝒏𝒆𝒓𝒆 𝒑𝒊𝒂𝒏𝒈𝒆.

Datas não costumavam importar para Changbin, não desde que tudo começou. Entretanto, 10 de março estava marcado na parede. Foi quando conheceu Felix, e quando descobriu que apesar de odiar tudo a sua volta, ele ainda gostava de escrever.

Changbin percebeu então que era um artista. Morto. Mas um artista.

Logo as madrugadas não se tratavam somente de um garoto olhando através do vidro, e sim versos, frases e parágrafos desconexos em forma de poesia expressando toda a dor dilacerante que se espalhava pelas células de seu corpo. Changbin sempre acordava as 02:59 e então produzia como um louco.

Em menos de duas semanas haviam sete cadernos preenchidos com as mágoas do caos miserável e ambulante. Sua mãe costumava abrir a porta todas as noites e encarar o filho único envolvido em sua própria bolha, mas não o interrompia. Era uma mulher preocupada com os sentimentos do menino, mas nunca teve capacidade para entendê-lo, então apenas o deixava e fingia que não notava as coisas que passavam diante de seus olhos tão negros quanto os dele.

Eram o que pais faziam, afinal.

Changbin tinha calos nos dedos, mas naquela madrugada em especial ele parecia ainda mais envolvido em pensar em tudo e ao mesmo tempo em nada. Quem era a pessoa de suas estórias, por que havia escolhido aquela praça? Por que aquele hotel? Porque aquela cor? Por que aqueles sentimentos?

Por que ele estava fazendo aquilo?

Parou abruptamente quando lembrou de algo que o Lee lhe dissera na segunda vez que se encontraram atrás da arquibancada e assopraram fumaça na boca um do outro. Felix havia dito que gostava de vênus, a deusa da beleza e do amor, para logo em seguida citar uma obra de Sandro Botticelli. Changbin já havia ouvido sobre ela, mas nunca se interessou porque quando a citaram, ele já tinha decidido se desligar do mundo.

Mas mesmo assim levantou-se da cadeira naquele dia e procurou pelo notebook a imagem. A pele leitosa e os cabelos beijados pelo fogo, a concha, o corpo esbelto, os anjos, as cores, os tons e os sentimentos frustrantes que repassavam para o admirador do outro lado da tela.

Changbin imprimiu imagens. Muitas e muitas imagens até que estivesse todas espalhadas pelo chão do quarto; colou na parede inúmeras delas, até que chegassem no teto, mas o chão permanecia cheio de Vênus após seu nascimento marcante.

O garoto sentou-se, dobrando as pernas e trazendo os joelhos até o peito. Lágrimas ardentes desceram por suas bochechas e pingaram no tecido fino de seu pijama.

Inúmeros olhos dóceis e apagados que expeliam o amor puro do renascentismo cru. Os soluços juntaram-se a orquestra particular do garoto que desmoronava sobre o chão de um cômodo iluminado apenas pelo brilho pálido da lua.

algum deus olhava para si? Céus, Seo Changbin alguma vez havia pensado sobre Deus e sua magnífica existência? Provavelmente sim; muito provavelmente sua mente havia criado conflitos sobre um ser apagado que por eras ainda tinha poder sobre o povo. Alguém tão poderoso e puro que todos gritavam para serem aceitos e entrarem no seu país celeste, livre de toda a dor causada pela sua própria criação.

Vênus era pura. E ele à via.

Então entre lágrimas, Changbin adorou. Desde as várias camadas de tinta até os olhos que transbordavam em pura vivência na mente dopada pela abstinência de sentimentos verdadeiros. Ajoelhou-se e orou a deusa que lhe lembrava o parceiro de cigarros e beijos vazios.

Seria Lee Felix a própria reencarnação do amor? Uma versão com defeitos para lembrar o Seo de que era humano, mesmo que o visse como um deus?

Foi o que ele disse ao Lee no dia seguinte quando mataram a aula de educação física para se esconderem no vestiário. Changbin estava sentado no chão do box e Felix havia se acomodado em seu colo, encostando-se na parede.

O garoto riu quando ouviu as loucuras de Bin, já acostumado com as ideias insanas que o outro tinha. Porém, Lix riu não por achar a ideia absurda, mas sim por ter o mesmo pensamento em relação ao Seo.

Para ele, Seo Changbin era deus.

Changbin era a arte divida, doente em toda a sua magnitude. Os espectadores gostavam daquela obra melancólica porque tinham curiosidade, queria desvendar o garoto, entender o que se passava em sua mente e o que existia por trás de olhares inexpressivos que sugavam tudo e não devolviam nada. Changbin era como uma obra renascentista em tempos modernos, onde seu pintor fugiu do padrão para misturar o expressionismo, o cubismo e o fauvismo... Uma composição de técnicas que acabaram no abstracionismo, e por isso todos o desejavam. Era como ir em uma exposição no museu e quer deslizar a ponta dos dedos por cada tela, sentir a textura e a vibração que causava.

Felix amava tocar Changbin.

─── Eu sou um mero espectador, Seo Changbin ─── sussurrou rente ao ouvido do garoto. ─── Você é arte. Tão dolorosa e divina que eu poderia passar o resto de meus dias admirando sua composição.

─── Mas eu estou vivo.

─── Por fora. Mas é morto por dentro, e isso é tão lindo... ─── Felix passou os braços pelo pescoço do moreno, o puxando mais para perto e esfregando as bocas lentamente. ─── Quando te conheci, eu soube de primeira o que você era, e tive minha certeza quando contou sobre como se sentia. Eu não sei, Changbin, realmente não sei o porquê de estar ao seu lado sabendo que uma hora ou outra você vai me deixar. Eu só sinto essa necessidade absurda de sentir seu cheiro, tocar, beijar e desfrutar da sua existência odiosa. Sei que um dia vou acordar e receber a notícia de que se matou, ou não. Talvez você mude de ideia, eu não sei! Só sei que sou viciado, completamente viciado em você e tudo o que sua matéria envolve.

─── O que você sente, Lee Felix?

─── Amor.

E então, Changbin chorou novamente.

Chorou sob os olhos de seu milagre momentâneo, e ao mesmo tempo sua ruína.

E todos eles assistiam. Os retratos de vênus.

.𝑽𝒆𝒏𝒆𝒓𝒆 𝒑𝒊𝒂𝒏𝒈𝒆.

.Vênus chora.



O Suicídio de Vênus || chang•lix Où les histoires vivent. Découvrez maintenant