Filha Do Impossível

🐯 Tefari 🐯

Mais tarde, na festa de comemoração pela vitória do campeão do torneio, encontro as mais variadas expressões.

Alguns me cumprimentam admirados, outros viram o rosto zangados, outros me olham surpresos.

Pela primeira vez uma mulher terrena será premiada por ganhar o torneio dos dragões.

Eu sou essa mulher.

Sorrio satisfeita comigo mesma e essa é a melhor sensação do mundo inteiro.

Caminho até o trono onde o rei Nelo se encontra.

— Eis aí a exceção!— todos se calam quando ele se pronuncia— confesso que se alguém me contasse que uma mulher terrena ganhou o torneio dos dragões eu não acreditaria. Diria "Impossível"! Mas aí está: Tefari, filha de Ragnar, guerreira de Zofa, fez o impossível.

Ele me olha sorrindo até com os olhos. Vejo que o rei se admirou com minha bravura.

Toda a multidão aplaude.

— Meu filho, Chad, terá uma grande esposa.

Chad sorri exultante, porém, a rainha Raica surge no meu campo de visão, seu rosto está  petrificado de tão sério.

— Tragam a recompensa para a campeã!— o rei Nelo ordena.

A rainha Raica se aproxima e fala num sussurro.

—Você não pertence a esse lugar! Seu sangue não é celeste, sua descendência é fraca. Você não é bem vinda aqui e eu vou fazer questão de te lembrar isso todos os dias.
"Não pense que se vestindo como eu será parte da minha família, muito menos que, comendo na minha mesa será aceita. Você é o que é , nada mudará isso!
É melhor desistir do que quer que esteja planejando, caso contrário, farei da sua vida um inferno" .

Sorrio e ela se afasta.
Ela pensa que me dizendo essas palavras me assusta, está enganada. E está mais enganada ainda se pensa que meu objetivo é apenas casar com seu filho. Tola.
Nem sabe ela, que logo terá que se curvar na minha frente e me chamar de "minha rainha" e eu vou fazer questão que ela diga isso todos os dias.

Depois do que enfrentei hoje, sei que posso qualquer coisa.

Um serviçal traz um saco rechonchudo de moedas de ouro numa mão e na outra uma caixa de madeira entalhada.

— Além de ter nossa admiração, como recompensa você receberá uma boa quantidade em ouro. E este medalhão.

Da caixinha de madeira é tirado um medalhão em ouro e quando o rei Nelo me entrega vejo que no pingente está entalhado uma mulher montada nele.

O rei Nelo se oferece pra colocar o objeto em volta do meu pescoço.

— Está é você, Tefari. Você e Gloriosum se tornaram a lenda dos céus.— Ele afirma tão baixo de modo que só eu escute.— Esta noite é sua, sorria e deixe-os com aparência de bobos. Eu adoro ver eles contrariados.

O rei dá uma pequena gargalhada e volta ao seu trono.
O salão é preenchido de vivas e de música novamente, muitos começam a dançar ou conversar.

Eu estou tão orgulhosa de mim que não consigo deixar de sorrir, minha mandíbula chega a doer.

Não é apenas sobre vencer um torneio, é muito mais que isso. É sobre você superar seus limites, vencer o medo e se tornar amiga de um dragão assassino, é sobre derrotar um príncipe mesquinho e cruel, é sobre mostrar a uma rainha desprezível que ela não tem poder sobre mim, e por fim, é sobre mostrar a um povo orgulhoso que ninguém é inferior a ninguém, não importa sua origem nem que tipo de sangue corre em suas veias.

Meus pais se aproximam.
— Você me causou tanto medo da mesma medida que me deu orgulho.— meu pai toma a frente sorrindo.— sempre vi que você não é de se contentar com o pouco.

— Realmente, você é tão grande que o pouco não te basta.— minha mãe reforça.

Um sentimento toma conta de mim e de repente me vejo abraçando forte meus pais.

O cheiro deles me conforta e me lembro de quando era bem pequena e eles me disseram que eu não era filha de sangue deles.
Então eu perguntei se eu podia ser a filha de mentirinha deles, pedi pra eles brincarem de ser meus pais pra sempre.
Foi o único dia em que eu realmente tive medo, senti um gosto ruim na boca e o coração batendo rápido.
Tive medo de nunca mais ter eles, tive medo deles me mandarem embora, eu era tão pequena...

Meu pai sorriu com os olhos cheios de lágrimas e me disse que não podia brincar disso comigo porque eu só não tinha o mesmo sangue deles, mas, possuía todo o amor que eles podiam me dar, e era muito amor, minha mãe completou, então isso me bastava.
Eu voltei pra zona de segurança novamente. Eles me amavam. Ali eu entendi o que era amor.

Eles nunca me deixariam.

A festa se seguiu bem animada, Chad não desgrudou de mim um instante sequer.
Até que Bomani encontrou uma brecha e me puxou para perto da mesa de comidas.

— Só porque venceu um torneio idiota num dragão desmiolado não significa que tem que lagar os amigos.— ele reclama.

— Mas eu não ...

— Ah, mas, espera! Você não tem amigos! Você só tem eu!— ele me interrompe zombeteiro.

Lhe dou um empurrão de leve. Esse tom debochado dele me irrita.
— Mais que audacioso! É assim que trata a futura princesa de Trivena?

Ele dá uma gargalhada.
— Sinto muito, Tefari, conheço você muito bem, não conseguirei tratá-la com cordialidades, é um caminho sem volta.

Sou eu quem dou uma risada agora.

— Então desistiu do seu plano anterior?— ele pega uma ameixa e mordisca.

Balanço a cabeça.

— Não. Haverá um outro meio. Até lá seguirei neste caminho.

Ele me encara, vejo seus olhos pousarem no meu medalhão.

— Todos falam de uma guerreira negra que venceu um herdeiro montada num dragão indomável. Alguns dizem que foi feitiço, outros, que talvez o príncipe Daren tenha revoltado os deuses, mas há um burburinho que essa guerreira venceu por bravura, pela força de seus próprios punhos.

Bomani observa do outro lado da enorme janela o céu escuro pontilhado de estrelas e eu o imito em silêncio.

— Promete que não vai me esquecer?

— Lógico que prometo, Bo.

— Mesmo quando você estiver no lugar mais improvável? Mesmo quando conseguir o que tanto quer?

Nossos olhos se encontraram.

— Alah. — respondo com toda minha sinceridade e fazendo dois traços cruzados com o dedo mindinho acima do peito esquerdo.
— Alah. — ele repete o gesto sorrindo.

Chad aparece pálido.
— Meu irmão está morto!

Seus lábios tremem levemente.

Há um alvoroço no salão a música é substituída por um murmúrio, ouço um grito e sei que é da rainha Raica.

Daren está morto.

Quem sabe as más línguas tinham certa razão: talvez o príncipe herdeiro irritou os deuses.