3 - Diferente dos contos de fadas

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Na manhã seguinte, a pequena estava ansiosa na cozinha. Já era quase nove horas da manhã e Aurora ainda dormia. Ana queria despertá-la e perguntar se havia dormido bem, mas o tio não deixou.

— Não incomode a Aurora. Deixe ela dormir mais um pouco.

— Mas, titio, eu preciso saber se ela é uma... — Ana tapou a boca com as mãozinhas rechonchudas. Por pouco não revelou seu plano.

Não conseguia esperar mais. Já havia esperado por quase duas horas. Era muito tempo para uma garotinha curiosa.

Ana correu para seu quarto, seguida de Cadu. Logo que chegou, encontrou Aurora esparramada pelo colchão, feito uma estrela marinha. Um dos braços estava para fora e o outro por cima da cabeça. Ana se aproximou, ignorando a reprimenda do tio. Agachou perto do rosto de Aurora que roncava baixinho.

Ana ficou esperando.

Olhou para o tio que não entendia a atitude da sobrinha. Ana estava inquieta desde que acordara.

— Ana, vamos deixar Aurora dormir. — Cadu se virou para sair do quarto, porém a menina permaneceu ajoelhada perto de moça.

— Só mais um pouquinho, titio.

Ambos estavam imóveis, observando a visita dormindo. Cadu sorriu com a expressão tranquila de Aurora ao dormir. Seu sono era profundo, mesmo com a luz do sol irradiando pelo quarto. Era uma visão divertida, que não deixava de ser agradável.

— O que você está fazendo, Ana? 

Ana cutucou o nariz de Aurora, que não se mexeu. Um fio de baba escorria pelo travesseiro, enquanto Aurora estava de boca aberta, imersa no mundo dos sonhos.

Ana olhou para os lados, em busca de algo para acordar a suposta princesa. Pegou uma geleia de brinquedo e passou nos pés de Aurora, que se remexeu, ainda adormecida. A menina também fez cosquinhas nela, mas nem assim obteve êxito. A pequena suspirou, coçando a cabeça, pensando em algo capaz de acordar Aurora.

Antes que Cadu interferisse, disposto a levar a sobrinha para fora do quarto, a menina deu um grito:

— Acorda, Aurora!

A moça abriu os olhos assustada, levantando logo em seguida, totalmente atordoada. Os cabelos apontavam para todas as direções, em total desalinho. Seu rosto estava amassado, com marcas do cobertor.

Aurora limpou a boca ao sentir algo molhado ao redor. Olhou, ainda confusa, para os dois seres que a observavam.

— Você dormiu bem? — Ana perguntou, curiosa, no colo do tio que não entendia a ação da menina.

— Eu? Dormi incrivelmente bem — Aurora espreguiçou, sem esconder um bocejo. — Dormi feito uma pedra. Esse colchão é ótimo! Se bem que eu dormiria até no chão duro sem nenhum problema.

Ana começou a chorar.

Aurora e Cadu se preocuparam com a menina que correu para a sala.

— O que foi, gatinha? Por que está chorando? — Cadu aproximou da garotinha que soluçava encolhida próximo ao sofá.

— Ela não é uma princesa de verdade — a vozinha infantil saiu triste, abafada pelos bracinhos que lhe escondiam o rosto.

Cadu e Aurora ficaram ainda mais confusos. 

A moça se aproximou de Ana que não queria olha-la. 

— Aninha, você está brava comigo?

A menina a olhou por entre os cílios escuros, ainda com os braços cruzados sobre os joelhos.

— Você deveria ter dormido mal por causa da ervilha.

— Ervilha?

— É. Uma princesa de verdade não consegue dormir com uma ervilha debaixo do colchão. 

Cadu finalmente entendera as reações da sobrinha.

Ajoelhou em sua frente, acariciando seu cabelo, numa tentativa de lhe acalmar:

— Você queria saber se Aurora era uma princesa, como na história da Princesa e a ervilha, então colocou uma ervilha debaixo do colchão. Se ela não dormisse bem, teria a certeza de que ela era realmente uma princesa. Foi isso?

A menina assentiu, limpando as lágrimas. Os olhinhos escuros ainda cintilavam devido ao choro.

Aurora se comoveu e se sentou ao lado deles no chão. Era uma grande decepção para uma criancinha ingênua.

— Não sou uma princesa de conto de fadas. — Aurora suspirou, fingindo ar decepcionado. Ana parecia terrivelmente frustada. — Mas ainda sou uma rainha. Esqueceu que tenho uma coroa?

Ana a encarou, fixando os olhinhos no cabelo dela. Aos poucos, um sorriso tímido foi se formando em seu rosto.

— Lembra o que eu te disse ontem? O importante é o que está dentro da gente. Ser uma garotinha bondosa e gentil te faz ser especial. Não precisa ter o título de princesa ou rainha para fazer a diferença. O que nos torna diferentes é a forma como vemos o mundo e como tratamos as outras pessoas. Entende?

— Acho que sim. Minha coroa está dentro de mim.

— Garota esperta! Nem sempre princesas usam coroas caras e vestidos rodados. Eu, por exemplo, uso macacão de unicórnio.

As duas riram.

Ana olhou para o tio.

Sem perceber, Cadu estava próximo de Aurora e suas mãos quase se tocavam.

— Aurora, será que se você beijar o meu tio, ele vira um sapo?

Aurora riu. Sua risada alta e animada preencheu toda a sala e em poucos instantes, estavam os três rindo.

— Acho que podemos tentar... — ela disse, ficando séria olhando para Cadu que pareceu visivelmente constrangido. — Mas antes preciso escovar os dentes!

Quem tem cachos é rainha!  Where stories live. Discover now