Gatas

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Lembro-me de outro quintal: o quintal onde conheci a Prada. Era uma siamesa pura que adorava partilhar sestas comigo no canteiro dos amores perfeitos da sua dona. Foi aí que fiquei absolutamente estupefacto ao descobrir que as pessoas podiam ser donas de gatos. Aquilo pareceu-me demasiado extravagante, mas se resultava para elas... quem era eu para questionar!

Aqueles prédios formavam um alegre cerco aos quintais floridos dos rés do chão. Era seguro passear pelos muros e eu aprendi facilmente a evitar os quintais com cães barulhentos e rezingões (porque cão que ladra também morde, acreditem). Certa tarde, vinha eu da minha sesta partilhada com a minha querida Prada quando ouvi um miado desesperado que vinha do meu quintal "a minha mãe, a minha mãe, quero a minha mãe"... era uma cria para mim e para o meu dono e ainda hoje eu não entendo como é que aquilo aconteceu!

Ela era pequenina, tinha olhos azuis, pêlo cinzento e muito fofinha... acertaram, eu estava novamente apaixonado! Chamava-se Mia e procurou maminhas em mim e no meu dono durante uma interminável semana. Depois esqueceu-se disso e utilizou todos os momentos em que estava acordada para fazer diabruras e inventar disparates. Nunca vi nada igual.

Num instante a Mia ultrapassou-me em tudo. Corria mais depressa do que eu, miava mais alto do que eu à lua, comia muito mais do que eu e estava bem mais gorda do que eu! Passámos a viver muitas aventuras juntos pelos quintais dos rés do chão. Eu ensinei-a a evitar os cães antipáticos e a não se meter nas casa de estranhos. Só entrávamos na cozinha do senhor Humberto para um pires de leite, na sala da dona Antónia para umas bolachinhas, na varanda do Dr. Torrado, um escritor que nos utilizava como personagens dos seus contos infantis e claro, no canteiro dos amores perfeitos da dona da Prada.

Mas a Mia foi sempre mais longe do que eu. Sozinha, descobriu o que existia para lá do quintal dos três limoeiros. Uma vez esteve fora durante três dia inteirinhos... que susto. Quando voltava contava-me histórias incriveis daquilo que tinha visto e de coisas que inventava! Pouco a pouco, estas histórias foram substituindo os meus passeios pelos quintais, até que me tornei num gato de sofá. Daqueles que dão marradinhas e ronronam ao colo das pessoas.

Memórias do vulcãoWhere stories live. Discover now