CAPÍTULO II ✓

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PRIMEIRO CONTATO

MIKE

Há um monstro no canto do meu quarto
Já não o temo mais, e sim por ele derramo
Duras gotas salgadas que delas sou farto
Pois quero abraçá-lo; por seu beijo clamo

Fantasia vulgar. Ele morreu bem aqui
Seu espírito é pálido e incandescente
Olha-me ali no escuro, meio indecente
Saia daí, me observe de perto, daqui!

Miserável assassino que cedo te levou!
Tua alma me assombra, mas dela gosto.
É última memória, que da terra desovou
O adeus insólito, grudado em seu rosto.

Derretido nesta cama, triste e solitário
Se nem você o destino me der, então caio
Peço flores secas, um revólver e um laço
Para cedo fazer, meu doce leito no espaço

Terminei de escrever mais um dos meus poemas melancólicos que ninguém lia. Eram imaturos, pobres e patéticos. Me faziam bem. Impediam que eu surtasse com tudo guardado dentro de mim. Eu nunca deixaria ninguém os ler também.

Guardei o caderninho na gaveta do criado mudo. Eram três horas da manhã, o sono tinha vindo no meio da minha escrita. Pelo menos desta vez conseguiria dormir de verdade.

Deitei sobre a cama, tampei minhas pernas peladas com a coberta de estampa de animal. Olhei uma última vez para uma das quinas do quarto escuro antes de desligar o abajur. Ele ainda estava ali, e esperava que ficasse. Uma pena que ele não conversava comigo. Podia ao menos dizer um ''Oi, vim para te visitar. Quero ficar contigo esta noite.'' Mas o que havia no rosto dele era uma depressão imensa.

Me virei para o outro lado, para os pôsteres de animes na parede que estavam cobertos pela mancha noturna. Da janela, via a lua. Cheia, roliça. Mas havia algo nela que me entristecia mais. Dava para ver nela o gosto amargo da miséria e da solidão. Assim como havia em mim. Ela era a única coisa que não punha uma máscara para esconder isso.

E Dormi, simplesmente.

† † †

N​ão havia nada melhor do que a comida da minha vó Madeline — a melhor do mundo inteiro.

A parte do café da manhã que mais gostava era de quando minha vó e eu começávamos a competir para ver quem comia mais panquecas e, por incrível que parecesse, a coroa tinha o maior apetite que já tinha visto na vida. Era semelhante ao de um animal faminto! — sem ofensas. Com seus cabelos grisalhos e sedosos, ela fazia a festa tentando comer o mais rápido que pudesse. Eu, atrapalhado e ridículo, custava acompanhar.

Eu a amava mais do que tudo. Na verdade, era a única pessoa da minha família que continuava viva ou que pelo menos conhecia. E toda vez que olhava para as hortênsias brancas no centro da mesa, me lembrava dos meus pais mortos em um naufrágio. Não sei por que minha vó optou por colocar flores sem cores em um lugar como aquele, pois era um tanto deprimente. Podia ser um lírio ou tulipa azuis, mas era sempre o branco vazio.

Pelo menos a comida que sempre estava ali alegrava o meu dia de alguma forma. Pequenas coisas faziam isso. A felicidade estava nas mínimas coisas como olhar as nuvens passando no céu ou ver fotografias da infância.

Mas essa última coisa me dava mais tristeza do que já era de costume. Era péssimo me ver criança ou bebê e não ter ninguém ao meu lado nas fotos além da minha vó ou do meu amigo Edgar. Meus parentes não moravam ali. Vovó sempre dizia que eles viviam longe, ou que simplesmente não quiseram fazer contato conosco.

Príncipes Da Noite (LIVRO 1): Legado das Sombras (CONCLUÍDA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora