Capítulo 1 A recompensa

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A chuva da noite anterior tinha deixado as estradas cheias de lama. Não que fosse alguma novidade. A proximidade com o pântano e as florestas fechadas deixava tudo mais úmido, não importava a época do ano. À medida que o sol ficava alto no céu as pessoas que habitavam a paliçada da "toca do urso" tinham duas certezas. A primeira era que o dia ia esquentar muito ainda e a segunda era que depois do calor vinha sempre a chuva. E com a chuva, mais lama e mais umidade.

A figura encapuzada entrou direto pelo portão principal da paliçada. Os guardas internos da fortaleza improvisada se entreolharam sem entender nada e buscaram apoio no homem que chamavam apenas pela alcunha de "sargento". Afinal de contas ninguém entrava assim, sem ser anunciado, na fortaleza do autoproclamado Barão de Balassar. O sargento era um mercenário experimentado de várias guerras, e estava enfiado numa armadura de placas que tinha visto mais ação do que a maioria de seus homens. Ele parou de afiar sua espada longa e passou a acompanhar silenciosamente a figura encapuzada enquanto esta se encaminhava em sua direção a passos decididos. Não demorou muito para que estivessem a menos de cinco passos um do outro.

- Eu vim ver o barão. – Anunciou o homem encapuzado, num tom de voz férreo.

- É mesmo? – Replicou o sargento, pondo-se finalmente de pé, e jogando sua espada recém-afiada sobre o ombro esquerdo, da mesma forma que os alabardeiros descansam suas alabardas quando estão em marcha. – E quem você pensa que é, e que assuntos teria a tratar com o Barão de Balassar?

O encapuzado percebeu que os demais soldados do barão encheram-se de coragem em face à atitude desafiadora de seu comandante direto e passaram a se aproximar perigosamente. Ele limitou-se a abrir a capa do capuz, revelando o que ele realmente carregava em uma das mãos. Quando ele jogou a sacola de lona no chão, o nó se desfez revelando seu conteúdo macabro.

- Pelos deuses! – Berrou um dos soldados, horrorizado.

- Não olhem! – Gritou outro, cobrindo os olhos com tanta força que provavelmente teria de cuidar dos dois olhos roxos mais tarde. – Vai transformar a todos nós em pedra!

- O seu patrão contratou-me para dar fim a essa fera... – Comentou o encapuzado, retirando o capuz e revelando sua descendência élfica: cabelos castanhos escuros, quase do tom da casca de um cedro adornavam o topo da cabeça, amarrados num rabo de cavalo firme. Seu rosto era marcado pelo sol e por algumas cicatrizes de batalha. – Sugiro que vá busca-lo rapidamente ou que saia do meu caminho para que eu possa ter com ele e receber a recompensa prometida.

- Aguarde aqui, por favor. – Disse o sargento quando recobrou a postura, saindo em seguida para dentro da antiga mansão que agora servia de sede para o baronato de Balassar.

O elfo abaixou-se e colocou a cabeça de volta na sacola de lona. Era uma cabeçorra de quase meio metro de comprimento. Assustadoras feições reptilianas: esporões irregulares de osso perto da bocarra cheia de dentes, afiados como facas, e uma crista de escamas pontudas como chifres. Um dos olhos estava estourando e ainda vertia um pouco de líquido azul esverdeado, de cor um pouco mais brilhante que suas escamas. A cabeça de um basilisco azul. Uma presa perigosíssima, que diziam as lendas, era capaz de transformar em pedra qualquer um que cruzasse olhares com ele. Se não fosse o bastante, seu dorso também era coberto por uma crista de escamas pontudas que ia de sua cabeça até a cauda longa. Quatro pares de patas, que terminavam em garras perigosas. Um pesadelo reptiliano do tamanho de um boi adulto.

"Não era de todo verdade", pensou o elfo enquanto recostava-se na parede. "Os balisicos azuis não têm o poder de transformar ninguém em pedra. Não mais do que eu possa lançar raios pelo meu traseiro. Mas o seu olhar pode paralisar um oponente menos preparado e isso pode ser fatal numa luta." O elfo passou a mão pelo braço enfaixado entre o cotovelo e o pulso. Ainda estava dolorido. Uma prova que o seu olhar paralisante não era o único trunfo da fera.

Os artefatos do Sacerdote DragãoWhere stories live. Discover now