Mulher Madura

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Adriana é uma mulher madura.

Exatamente, essa é a palavra para melhor descrevê-la. Não sei se a mais apropriada, mas quando a vejo com seu corte de cabelo sempre muito curto e suas roupas ''combinando'', eu simplesmente não consigo de parar de pensar nessa palavra. Madura. Como se fosse uma fruta ou um vegetal desses que a gente pega na feira, dá uma apertada e fica em dúvida se vai comprar ou não porque talvez estrague.

Eu a vi por aí, em um dia desses. Ela usava uma calça e sapatos marrons, uma bolsa da mesmíssima cor, talvez uma tonalidade diferente, de couro, pesada, que só de olhar, me dava calor. Usava lenço também.

O sol estava torrando os pobres mendigos largados na rua e lá estava ela, desfilando, muito adulta, com aquele pedaço de pano colorido, daquele tipo de estampa que queria-porque-queria ser chique, ajeitado sobre os ombros de forma tão correta que dava vontade de puxar um fiozinho só pra ver algum defeito.

Ela discursa com facilidade sobre as obrigações e defeitos das pessoas. Sobre os erros dos ouros. Ela tem mani de chamar todos de incompetentes. E de tal forma,  que ninguém perceba muito bem, porque ela tasca. logo em seguida, uma piada ou uma risada forçada e escandalosa que abafa toda sua maledicência.

Odeia mendigos e gatos e tem o hábito de puxar em qualquer canto pra soltar a língua comprida e ferina. Uma língua madura. Porque talvez seja necessário ter uma certa maturidade pra aguentar as coisas que ela fala. E talvez  o meu desgosto pela sua pessoa seja maior ainda  porque ela se esforça um bocado para ser muito gentil e simpática, mas todos ali da repartição sabem que é uma víbora-cascavel-venenosa.

Não tenho dúvidas que sua boca pode engolir alguém inteiro. E ainda, com um sorriso no rosto. Um sorriso muito maduro que, por razões da sua maturidade, denuncia suas reais intenções. Eu acho que a Adriana tem sede disso. De ver o fogo no fogueira, as coisas se desfazendo, menos a sua combinação de roupas.

Mas como todos sorriem de volta e Deus sabe que todo mundo tem  um defeitinho escondido no fundo do bolso, mas que tá lá, pesando dentro da calça,  damos um desconto:

-- Cortou o cabelo, Adriana? Ficou lindo.

-- Tem que cortar, não é? Pior coisa é uma velha querendo ser jovem.

Pois eu acho, Adriana, que o problema não é a da velha querer ser jovem, já que os ponteiros não retrocedem. Talvez seja o seu jeito muito maduro, quase estragando, que seja o problema.
Seu jeito de amadurecer tudo.

A Adriana nunca vai me ouvir. Ela nunca ouve ninguém a não ser a si mesma. Ela é muito madura.

O ambulante e o sabiáWhere stories live. Discover now