– Você devia começar a pensar em conhecer outro cara – sugeriu ela umas cinco vezes. – Não faz bem só ficar estudando.

Meu pai me disse que eu não deveria ter pressa. O tempo todo eu pensei em Harry a uma hora de distância. Quase perto o suficiente para que eu o tocasse. Quero subir a escada de incêndio de dois em dois degraus, mas me controlo. Eles estão congelados. Bato na porta, sem fôlego, com o coração disparado. Venho sonhando com este momento há semanas. Passei as férias todas esperando este reencontro, este beijo. Harry me pressionando contra a parede, o corpo contra o meu, a pressão no quadril. Eu passando as mãos pelos braços e as costas dele. Me perdendo nele, assim como fiz na minha imaginação durante o mês inteiro.

Quando ele abre a porta, no entanto, nada acontece como eu havia imaginado. O rosto dele está inexpressivo. Indiferente como o céu, cinzento e frio. Fico esperando que ele perceba que sou eu – que a recepção fique mais calorosa –, mas ele diz apenas Oi e eu percebo que ele já me reconheceu. E que esta é a minha recepção. Harry não dá um passo para o lado para me deixar entrar. Está vestido para trabalhar no restaurante – calça social preta, camisa social branca e sapatos pretos lustrosos. Tão lindo que chega a ser assustador, com os olhos daquele jeito.

– Oi. Você voltou – digo.

De repente sinto a vontade urgente de conferir o número na porta para me certificar de que estou no apartamento certo. Na dimensão certa.

– É, voltei.

-–Como foi seu vôo?

Porra, nós deveríamos estar nos beijando agora. Ele se vira e pega o casaco no armário.

– Foi bom. Preciso ir trabalhar.

– Numa quinta-feira?

– Peguei um turno.

– Posso ir caminhando com você?

Ele dá de ombros como se não fizesse diferença para ele. Estou perplexo. Na outra noite mesmo ele disse que queria entrar em mim, me deixar morrendo de tesão, trepar comigo até ficarmos exaustos e trêmulos, e que depois queria fazer tudo de novo, devagar, cuidadosamente, e ficar me vendo gozar. Ele disse isso há dois dias. Eu não inventei. Quando passa por mim, está cheirando a lã e menta e nem me olha. Eu o acompanho escada abaixo.

Ele está com um chapéu que nunca vi antes, com listras pretas e cinza- escuras. Olho para a nuca dele. Meus dedos anseiam por tocá-la. O humor dele me impede de fazer isso. O temperamento de Harry é algo real dividindo o espaço entre nós, sólido como granito. Vá embora, diz o comportamento dele, e isso me lembra as outras vezes que ele ficou assim. Semanas atrás. Eu quase havia me esquecido. Todas as regras que tínhamos, acho que estavam suspensas durante as férias. Nossas conversas sobre nos tocarmos, nos desejarmos, os pensamentos sacanas que trocamos fizeram com que eu apagasse essas regras da mente. Não sei direito quais são as normas agora, mas sei que, quaisquer que sejam, estão totalmente ativas.

– Qual é o problema? – pergunto.

– Problema nenhum.

– É mesmo? Você parece meio distante.

Ele se vira um pouco para mim, com as mãos enfiadas nos bolsos. Por um instante, todo o rosto dele se contrai.

– Acho que não estou muito a fim de conversar.

Você estava a fim na outra noite. Você me fez ter dois orgasmos conversando antes de desligarmos o telefone. Eu ouvi você gozando.

O que há de errado com você?

Eu deveria ser capaz de dizer algo assim. Mas acabei de passar um mês na casa do meu pai escondendo e calando tudo o que eu realmente sentia. Harry era a única pessoa com quem eu podia me abrir e, mesmo com ele, eu me censurava. Sinto um nó na garganta.

ProfundoWhere stories live. Discover now