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"Nós podemos ser heróis, apenas por um dia"

| HEROES, Peter Gabriel |

Ellie

Eu pensei que beberíamos na casa dela, mas fomos direto para um barzinho parcialmente vazio quase na saída de Calhoun. Eu não reclamei, afinal estava curiosa para saber o que a noite me proporcionaria. Eu não estava me exigindo novas experiências que ficassem na memória por muito tempo? Sentia uma áurea de aventura naquele bar meio abafado, mas não estava com medo das consequências.

Sentamos em uma mesa vazia. Eu peguei o cardápio meio grudento graças à uma substância suspeita e passei as páginas plastificadas na tentativa de encontrar algo saboroso. Em geral, passava o Ano Novo com meus amigos, mas há dias não recebia nenhuma mensagem deles. Exceto pelo garoto que conheci e beijei na balada, ninguém se demonstrara interessado em me convidar para uma festança. Acomodar-me naquele bar na presença de alguém não seria estranho se a amiga em questão não fosse uma mulher com a qual, estranhamente, aproximei-me demais nos últimos dias.

— Eu nem perguntei se você tinha algo marcado para hoje — Srta. Ewing disse. Ela colocou um braço estendido na cadeira de madeira. A decoração era bem rústica e interessante, mas a música que saía da jukebox não combinava nadinha com o lugar. — Eu não estou lhe prendendo em casa!

— Não está? — pisquei. Eu estava brincando, claro, mas uma leve confusão passou pelos olhos dela. Precisei rir para mostrar que tudo estava bem. — Você disse que não quer se despedir de mim.

Ela apoiou os braços sobre a mesa, colidindo as pulseiras e causando um barulhinho já familiar para meus ouvidos. Eu não me movi, apesar de ela ter ficado perigosamente próxima naquela posição.

— Sabe quando você está lendo um livro e o autor apresenta todos os elementos nos quais você precisa manter atenção, mas apenas no final as coisas fazem sentido? — ela perguntou e eu assenti. — Partindo dessa ideia, você só vai entender minhas palavras no final de tudo.

— Para mim, o "final de tudo" é a morte — apertei os olhos, pensativa. Eu estava um pouco distraída nisso, mas tomei cuidado de não encostar o cardápio em mais regiões da minha pele.

— Nem tudo precisa morrer para ter chegado ao fim — Srta. Ewing afirmou. — Você pode chegar no "final de tudo" de algo, mas ainda ter outras linhas para percorrer e completar.

— Então vou entendê-la apenas quando chegar no final dessa linha? — apontei para ela e depois para mim. Ela concordou, sorrindo. — Quanto mistério.

— Ah, não é. Você não precisa me investigar — ela fez sinal para o garçom comparecer à nossa mesa. — As coisas apenas se movem nessa mistura chamada vida. As respostas vão chegar sem que você perceba.

— Isso não é meio contraditório? Minha tia dizia que não devemos esperar sentados — falei o que me parecia o óbvio.

Srta. Ewing me mirou com uma quantidade moderada de deslumbramento, mas não disse nada em resposta. Ela só sorriu e piscou, aguardando para que finalmente fizéssemos o pedido das comidas. Eu estava confusa, mas não queria me ocupar em compreender o raciocínio dela. Pedi uma porção de batatas fritas e cervejas, porque os preços cabiam no meu bolso e a fome gritava dentro de mim. Eu não deixaria que ela pagasse a refeição, porque, embora pobre e desolada, meu orgulho era duríssimo. Ela acrescentou algumas salsichas extras e whisky com limão.

Souvenir | Romance Lésbico (Completo na Amazon)Where stories live. Discover now