Capítulo 26

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Não demoramos muito para achar um mercadinho de bairro, chamado Rejane.

Marcus achou graça do nome e ficamos imaginando nossos nomes estampados na faixada de um negócio.

— Mimi seria o mais engraçado — ele opinou.

Parece haver mais civilização para o lado de lá, mas decidimos ficar por aqui mesmo. Rejane não é um mercadinho grande, mas deve servir.

— Marcus, eu acho que... — viro-me para o lado e vejo que ele sumiu. Há um senhor do outro lado do corredor, mais para a sessão de cereais, e ele me olha esquisito quando começo a falar sozinha. Lanço um sorrisinho sem graça para ele, abaixo a cabeça e saio apressada dessa área.

Uma parte de mim sempre pensa "são só pessoas que nunca mais verei na vida, então tudo bem se eu passar vergonha", mas no momento em que uma situação vergonhosa acontece, é sempre meu primeiro impulso me esconder.

Quem está se escondendo, aliás, é Marcus.

Num lugar pequeno como esse, tenho certeza que já olhei todos os cantos e ele não está em lugar algum.

— Marcus? Que droga — falo sozinha. Vejo uma pessoa no mesmo corredor que eu, e pigarro. — Hum, oi, o senhor por acaso... — ele se vira e eu vejo que é o mesmo homem que me viu falando sozinha há minutos atrás. Dou um sorrisinho e ele retribui, compreensivo. Continuo: — O senhor por acaso viu um rapaz por aí, mais ou menos dessa altura, de cabelo preto, com uma camisa... — fecho os olhos com força, tentando lembrar o que Marcus está vestindo.

— Ele estava aqui agorinha, menina — o senhor diz. — E era só perguntar se eu vi alguém diferente. Vocês não são daqui, a gente destaca logo.

— Ah. — Encolho os ombros, abraçando a caixa de leite que seguro nas mãos. — É verdade.

Agora que olho mais atentamente, o senhor não é tão velho, deve ter a idade do meu pai, ou coisa assim. Mas a barba grisalha cobrindo metade do rosto o faz parecer mais velho. Ele também parece trabalhar no mercadinho, por isso está por todo canto. Ao contrário de Marcus.

Depois de uns minutos igual uma barata tonta rodeando o lugar, começo a pensar que ele está brincando comigo. Fico parada, sem me mover ou fazer barulho algum. É o truque mais antigo. Se alguém está te perseguindo ou fugindo de você em círculos, pare. A pessoa vai aparecer em questão de segundos. E eu o vejo. Não na minha frente, mas eu o enxergo pelo reflexo de um espelho que está no fim do corredor, disposto para venda. Marcus já ia entrando no corredor de limpeza, que eu estou, mas ao me ver ele voltou três passos. E eu saí correndo, largando o carrinho ainda um pouco vazio ali mesmo e indo atrás dele.

Ouvi quando ele disse "droga!" ao perceber que eu o estava perseguindo, e suas risadas ao escapar de minhas mãos duas vezes seguidas, quase escorregando no meio do corredor de massas. Finalmente consigo segurar pelo tecido de sua camisa e Marcus para, relutante. Ele faz que vai correr quando paramos, mas seguro mais firme. Estamos ambos com a respiração ofegante, eu mais que ele — Marcus ainda faz algum exercício diariamente, ao contrário de mim, que apenas subo as escadas do prédio (e reclamando).

Com a mão livre, pego um saco de pão de fôrma integral na prateleira bem ao nosso lado e bato em Marcus com ele.

— O que você tem, Marc? Seis anos?

— Mais vinte — ele zomba de mim, sorrindo com os olhos pequenos. — Mas, ei, para de me bater! — Ele reclama. — Eu não estava fugindo de você, foi só uma questão de... encontros e desencontros.

— Ahã, claro. Onde você estava correndo pelo supermercado sozinho, por diversão.

— Exatamente. — O olhar dele é triunfante, e eu lhe dou um último golpe com o saco de pão integral. — Acho que agora você tem que comprar esse pão. Está danificado.

Liz e a Lista do NuncaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora