Prólogo

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O normal a se esperar de um agente do FBI é que ele saiba se adaptar à falta de rotina. Que saiba lidar com situações que fogem ao controle.

Tudo isso era até tranquilo pra mim.

Foi ao me deparar com mudanças maiores, foras do cotidiano, que percebi o quão imaturo era. Quão despreparado estava para sair de minha zona de conforto.

Aos trinta e quatro anos de idade, descobri o quanto podia odiar mudanças, mas tinha que aceitá-las contra a minha vontade.

Aos trinta e quatro anos de idade, estava assinando os papéis do meu divórcio e lamentando o fato de não ter tido a mesma sorte que a de meus pais.

Meus pais se conheceram aos dezesseis anos. Ele trabalhava como ajudante na loja de materiais do meu avô e um dia, minha mãe foi com a minha avó comprar algumas coisas para o jardim.

Dali, nasceu uma troca de olhares, uma carta entregue sorrateiramente através do balcão, uma amizade, um caminhar de mãos dadas e se tornou um casamento sólido e resistente ao tempo. Mesmo depois de cinquenta anos, ainda pegava os dois ouvindo música juntos, jogando palavras cruzadas ou gargalhando de algo na televisão.

Era o que eu queria pra mim. Queria com todas as forças sentir o amor que meus pais compartilhavam. Sentir em meus poros a sensação de ser realizado em meu casamento. Era um desejo que tinha desde pequeno.

Recebi praticamente de mão beijada a oportunidade de curtir a vida como eu bem queria. Joguei futebol americano na faculdade, era o running back do Southern Eagles. Sendo da liga universitária, estávamos no radar de toda a Universidade, aparecíamos na televisão, tínhamos patrocínio, atenção... eu recebia mensagens o tempo inteiro de garotas interessadas em mim. Conheci Alicia justamente nessa época.

No momento em que eu poderia ter todas as mulheres que queria, eu a escolhi.

Estávamos perto do Spring Break. Trenton e mais dois jogadores da nossa liga tinham alugado uma casa em Lake Tahoe para curtirmos o mês inteiro. Na primeira noite, na primeira festa, vi Alicia. Ela estava dançando em cima da mesinha de centro com mais cinco meninas, ao som de uma música que eu até hoje acho que era da Beyoncé, mas não sabia se era realmente, eu só tinha dezenove anos e conhecimento nenhum sobre quem cantava o quê.

Percebi que segurava um copo de vodka com suco de laranja na mão direita e seu sorriso estava iluminando toda a sala. Eu não sabia como ela tinha chegado até ali, não sabia quem tinha a convidado para nossa casa, nem sabia que ela também era da Georgia Southern, achei que fosse amiga de alguma amiga dos rapazes e estava ali apenas para curtir.

Mas de uma coisa eu tinha certeza e depois de dar um grande gole em minha cerveja, virei para Trenton e falei:

— Eu vou me casar com essa mulher. — Apontei, meu dedo em riste, na direção de Alicia.

Trenton, já bem alcoolizado, deu uma gargalhada.

— E de onde veio essa previsão idiota?

— Do meu coração, cara. — Minha voz saiu arrastada e daquela forma parecia até brincadeira, mas eu estava falando a mais pura verdade.

— Claro. Seu coração quer tirar o atraso hoje, presumo. — Ele deu um gole em sua cerveja, o peito balançando de tanto rir, duvidando da minha capacidade.

Ignorei o comentário babaca do meu melhor amigo e continuei a ver Alicia dançando animada.

— Você sabe que ela é a garota do Zairo, né?

Minha atenção se voltou inteira para Trent. Merda. Óbvio que tinha que ter algum obstáculo, assim minha conquista se tornaria ainda mais interessante.

— Eu não ligo.

— Zairo vai ligar. — Ele me alertou. — Cara, nossa casa está sendo frequentada por uma gama imensa de meninas. Porque cismou justamente com essa?

— Eu nunca a vi antes.

— Como não? — Franziu a testa. — Ela é da mesma faculdade que a gente.

— Não é não.

— É sim, senhor. Está fazendo premonições com uma garota que já passou um milhão de vezes por nós e você nunca sequer prestou atenção. Boa, campeão! — Deu um gole em sua cerveja. — Você só a quer por ela ter dono. E por ser Zairo.

Zairo era um imbecil? Era. Eu não o suportava.

Mas não era esse o motivo.

Era pra ser. Alicia tinha que ser minha, simples assim.

E ela foi.

Daquela noite em diante, de uma conversa despretensiosa, de um primeiro beijo às escondidas perto de uma fogueira, nunca mais nos desgrudamos. Trenton até havia nos intitulado como "a bolha". Passamos a faculdade inteira juntos e, ao final dela, nos casamos.

Eu não sei dizer ao certo quanto tempo aquilo durou ou foi bom. Também não saberia detalhar se era um casamento ou uma grande e forte amizade. Mas Alicia me fez feliz por muitos anos e eu achava que era a mulher dos meus sonhos, até nossos sonhos particulares entrarem em jogo, desmoronando tudo o que tínhamos construído.

Alicia queria ser mãe. Eu queria ser policial.

Eu não via problema nenhum nessa combinação. Ela via.

Minha esposa sempre soube que eu queria ser um agente do FBI. Que era o meu maior sonho. Sabia das minhas noites em casa quando criança, vendo televisão com meu pai e desejando ser aquele desbravador que lutava contra o crime. Ela estava sentada em meu colo quando eu fiz a inscrição pela internet. Me ajudou a reunir toda a documentação e a estudar para as provas. Me fazia vitaminas às cinco da manhã quando eu acordava para praticar atividades físicas. Eu me sentia realizado, tinha um casamento tão sólido quanto o dos meus pais... até tudo acabar.

Eu entrei no FBI. E Alicia então decidiu que ela não queria ser esposa de alguém que estaria em constante contato com o perigo. Ela queria uma família, queria engravidar e tinha medo de que em algum dia eu não voltasse mais para casa.

Eu lutei. Eu tentei. Eu fiz de tudo para que ela entendesse e aceitasse. Prometi mundos e fundos, mas a minha segurança era uma coisa que eu não podia prometer, muito menos garantir.

Em poucos meses, eu saí de casa. Fui parar no apartamento de meu melhor amigo, que enfrentava um recente desemprego e o fim de seu noivado. Fiquei morando na casa dele durante um bom tempo, por não acreditar que aquilo era definitivo. Achava que era uma crise, que íamos nos acertar e voltar.

Eu tentei novamente. E novamente.

Mas o pedido de divórcio chegou. E a partir daquele dia, tive que aceitar uma mudança imposta onde eu não podia fazer nada para contornar. Terminei de assinar todos aqueles documentos, sob os olhos atentos de meus advogados, minha agora ex-mulher e o advogado dela, sentindo que estava fechando um ciclo.

Um tanto quanto perdido... porém certo de que aquela culpa não era minha para carregar. 

Ethan - Um Spin-off de BlackmailWhere stories live. Discover now