— Você está tão linda! Comeu o quê? Bebeu o quê? Estou feliz em vê-la depois de tanto tempo — ele pousou a mão sobre o peito de maneira teatral.

Eu revirei os olhos para o seu exagero. Havia visto a mula na semana passada quando arranjei um tempinho entre a faculdade e o trabalho. Desde que me formei em Música e Arte Lírica na University of Calhoun, não tirava tempo sequer de uma cartola mágica, principalmente porque inventara de fazer Psicologia também. Eu já não tinha minha tia, a qual me criara após a morte dos meus pais, logo era muito difícil pagar minhas contas apenas com a música. Trabalhava em monitorias na minha faculdade, onde arranjara bolsa para fazer outro curso, além de ter alguns clientes fixos para aulas particulares. 

Havia sido justamente pelas dificuldades financeiras que tive a ideia de fazer uma segunda faculdade. Psicologia sempre esteve dentro das minhas opções. Eu só não a escolhi de primeira, porque Música esteve comigo desde que dei o meu primeiro suspiro nesse mundo caótico. Mas possuía certas necessidades urgentes, e envolver-me em outra graduação era a chave para sair de tantas pendências.

Tia Nancy me deixara o seu apartamento em Delancy Street, muito afastado do centro de Calhoun, mas pelo menos eu não pagava aluguel. Eu vivi excelentes momentos naquele pequeno espacinho, logo não o trocava por nada. Embora tivesse desejos de viajar para fora, não pensava em vendê-lo ou algo assim.

— Comi gente — respondi, convencida.

Phill abriu a boca em "O" e sacudiu-me, dessa vez em ritmo da melodia. Eu não entendia a sua variedade musical: há pouco estava tocando rock, mas agora era uma espécie de reggae e não me surpreenderia se viesse uma música em árabe. Eu o amava de maneira genuína, mas ele podia misturar muito as coisas, sobretudo algumas substâncias nocivas. E quando eu dizia isso não estava exagerando.

— Mas é uma safadinha — ele soltou em falsete. — Arranje um lugar para sentar, Meretriz.

Mas eu não o obedeci. Sai andando em direção à geladeira e peguei uma cerveja bem geladinha. Fazia frio ou fazia calor, obviamente eu estaria bebendo cerveja e lambendo os dedos depois. Por fim retornei ao salão que soava a primeira música que reconhecia depois de duas tocadas. Amava a casa de Phill, porque o local era bem afastado, no meio do mato e o vizinho mais próximo ficava a meia hora de distância. Ele dava as festas mais insanas e loucas e só quem sabia delas era quem havia sido convidado.

Eu reconhecia as pessoas ousadas que dançavam. Astrid, Vincent, Matt, Trick... Tirando o tal de Matt, que eu suspeitava ser o novo peguete de Phill, os demais haviam feito o Ensino Médio comigo. Era engraçado como todos evoluíram durante os anos. Astrid e Vincent já namoraram na época em que tinham uns dezesseis, mas depois de muito se evitarem após um trágico término (acho que Astrid pegara Vincent transando com a sua prima), agora conseguiam conviver — e até dançar juntos. Trick era o sujeito mais engraçado de nós todos, que sentava no fundão, que procurava umas festas malucas para a turma. Arranjava uma namorada a cada semestre e quebrava o coração de todas com a mesma facilidade que respirava. Mas ele deixara as loucuras para trás, formara-se em Administração e trabalhava em uma grande companhia.

Eu e Phill saímos da escola e entramos na faculdade juntos. Talvez seja por isso que éramos ainda mais próximos que os demais. Ele nunca abandonara sua alma maluca e inconsequente, tanto que, no nosso segundo ano de Música, o idiota quase morrera atropelado depois de tentar pular por cima de um carro em movimento. Eu o acompanhava em todas as confusões, e fiquei dias com ele no hospital, mas não nutria do mesmo espírito aventureiro.

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