✏Prólogo✏

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Nápoles, 2012

Antonella

Quando o sino bate para o intervalo, ao meio dia, a turma toda se levanta alvoroçada para sair da sala. É unanime que todos parecem mais ansiosos do que nunca. Afinal, é o nosso último ano na escola. Em duas semanas, concluiremos o ensino médio. Quando todos saem, permaneço na sala, vasculhando minha mochila a procura da minha agenda de anotações. Porque, depois do almoço, participarei de uma reunião para tratar dos últimos detalhes de nossa formatura. Sou uma das integrantes da comissão que planeja o evento. Apanhando a agenda, jogo-a na minha bolsinha transversal e pendurando-a sobre o ombro, me encaminho para porta, me juntando a aglomeração que segue pelo comprido corredor até a escadaria. Descendo no pátio, onde gigantescos pilares de granito sustentam o prédio do século XVII, me apresso em alcançar a cantina, retribuindo cumprimentos e sorrisos de colegas pelo caminho. Mal reparo as paredes de vitrais com alegorias de nossos antepassados. Quando tenho tempo, gosto de observá-los. Ver as cores e as nuances que o pintor usou em cada obra. Lá fora, no jardim, vários grupinhos de estudantes estão conversando e gargalhando. De relance, verifico se vejo Pietra entre eles, mas nem sinal dela. Enfim, me aproximo do refeitório já, vendo uma multidão acessando o balcão térmico de alimentos, segurando pratos e talheres. Me encaminho a pilha de pratos, retirando um, e os talheres para me juntar as demais na fileira de mesas, com um variado cardápio expostos em cubas, como massas, saladas, carnes, peixes, grelhados caldos, molhos e guarnições de todos os tipos. O barulho das conversas paralelas ecoa pelo ambiente. E o assunto principal para a maioria, é a escolha da faculdade. Muitos indecisos, sobre o que quer para o futuro, e outros já certos daquilo que escolheu. No entanto, para mim e boa parte das garotas que pertencem às máfias, não existe essa opção. Quando seus pais fazem parte de uma sociedade regida por tradições antiquadas, seu único caminho é segui-las, sujeitar-se. Garotas como eu, são submetidas a casamentos arranjados como forma de garantir a linhagem entre as máfias. Esse poder é outorgado ao chefe que age como juiz de todos os conflitos de interesses ou ideias, independentemente daquilo que desejamos. É difícil, adaptar-se a esse mundo, em que o mal impera e seus direitos são violados em nome de uma sociedade sangrenta. Se eu pertencesse a uma família comum, com vida simples e sem grandes pretensões, não estaria aqui, lamentando por aquilo que nunca tive, como o amor incondicional dos meus pais e a liberdade de fazer minhas próprias escolhas. Liberdade que me foi negada ainda muito cedo, desde o início da minha vida.

Desde muito pequena, tive que lidar com frieza do meu pai. Não havia acolhimento nem afeto da parte dele. Sempre que me olhava, havia repulsa e insatisfação no seu semblante. Eu não tinha capacidade para compreender tanto rancor, até aquele dia, que, escondida atrás da porta, pude ouvi-lo me culpar por ter seus planos frustrados. Aquino Caputo desejava um filho "homem" porquê para todo mafioso, o ideal de vida é continuar seu legado, sua história, e, uma menina não garante o alcance de objetivos tão ambiciosos. Aos berros ele dizia que eu era uma grande decepção.... olhar para mim o fazia sentir-se um derrotado. Minha mãe o olhava horrorizada, enquanto ele despejava suas palavras cruéis sem nenhum remorso: -- Eu ansiava que me desse um menino para ser meu sucessor no futuro. - Arrematou, impiedosamente. Eu não passava uma de garotinha frágil e idiota, com medo até da própria sombra. Naquele dia eu corri para o jardim e fiquei escondida por muito tempo, chorando. Mais tarde, Carmela me encontrou encolhida e me levou para o quarto. Dissera que todos estavam preocupados. Eu não conseguia entender aquela mistura de sentimentos dentro de mim, eu só tinha seis anos. Tudo que sei, é que minha mãe teve três gravidezes fracassadas. Assim que completava dois meses, mesmo com todo aparato medico que dispunha, acabava abortando. Mas na última gravidez, eu nasci. E foi muito sofrido. Ela teve uma hemorragia depois do parto. Descobriu-se que a placenta havia ficado colada na parede do útero, e não tinha como removê-la, sem remover o útero também.

Com Você No Coração (O PRAZER DA VINGANÇA)disponível Na AmazonWhere stories live. Discover now