Deixe-me ir

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Deixe-me ir.

Sa Ra deixou tocar uma playlist que obviamente montou pensando em mim, com todos os singles que escutávamos repetidamente trancadas no nosso quarto, no auge dos meus treze anos e antes que ela fizesse dezesseis e ficasse com vergonha de passar muito tempo com a irmã mais nova. Ela sorriu para mim quando me viu cantarolar o refrão de baby, one more time, gritando alto a última estrofe, prevendo que eu lhe daria um tapa quando fizesse isso e sorrindo mais ainda quando sua previsão aconteceu.

Mas eu ainda não estava bem. Ela sabia disso, acho.

Estávamos nos afastando de Seul desde ás cinco horas da manhã, quando ela entrou no meu apartamento e me vestiu com um jeans e botas, e eu me deixei levar como sempre acontecia, porque aquele era o "domingo da intervenção" que acontecia de forma religiosa desde que ela percebeu que eu não sairia dessa sozinha. Eu agradecia o esforço, sabia que aquele era o seu único dia livre da semana, então só cooperava, mesmo ainda não vendo resultados reais, era bom saber que ela estaria ali em algum momento, fosse para me levar para a praia, como aconteceu na primeira vez, ou para me levar para um jogo de tênis, como no último domingo.

-Não está curiosa?- pergunta pela terceira vez, mexendo a cabeça enquanto tentava tirar o cabelo curto e negro do rosto.

-Estou.- minto.- Mas gosto de manter a expectativa.

-Mamãe disse que você foi ao estúdio nessa semana.

-É, eu fui.- olho para a janela do carro e observo as plantações, me obrigando a continuar falando antes que ela mesma perguntasse e acabasse pedindo mais detalhes.- Precisava ajeitar algumas coisas, colocar em ordem.

-E quando você vai voltar?- a olho, só encontrando seu perfil, ela estava concentrada no caminho.- Você vai voltar, certo?

-É importante que eu volte?

-Se você achar que é, então sim, é importante.

-Então talvez não.

-Boobo, não é assim que nós fazemos.- seus olhos estão em mim e eu suspiro, fosse pelo apelido infantil que me seguiu até os vinte e cinco anos, fosse pela frase que regia todos os princípios da nossa família.

-Mas é assim que eu faço, pelo menos por enquanto, é assim que eu lido com isso.

-Ha Eun, você não parece com raiva.- ela me olhou por um tempo antes de voltar para a estrada.- Também não parece feliz, nem triste, nem entediada. Parece que você não está aqui, e eu não posso só sentar e observar. Eu conversei com a mamãe e o papai...

-Não quero que vocês conversem sobre mim quando eu não estou.- a corto.- Se não respeitarem isso, eu não vou mais te manter por perto, Sa Ra.- nossos olhos se encontram novamente.- Então, por favor, respeite isso.

Nós ficamos em silencio pelo resto do caminho, indo por pequenas estradas e ouvindo música pop até que Sa Ra desligou o rádio. Entramos por uma ladeira e minhas sobrancelhas se juntaram quando uma placa de madeira me disse onde estávamos, cada letra da palavra orfanato estava pintada com uma cor do arco-íris, e ao redor havia uma pintura feita por marcas de mãozinhas pequenas.

Não olhei para minha irmã quando entramos no estacionamento um pouco lotado, eu conseguia ouvir os gritos das brincadeiras infantis e ver a decoração colorida que enchia o pequeno e estreito prédio azul de dois andares, uma música animada começou a tocar quando nos aproximávamos e eu ouvi um coro de risadas, provavelmente tinha um palhaço em algum lugar ou então alguma peça de teatro. Eu senti um arrepio na minha espinha, que se espalhou pelo meu corpo e fez com que minhas mãos ficassem suadas e pegajosas, eu via o prédio se aproximando, mas parecia que isso acontecia de forma lenta demais.

Forgive YourselfWhere stories live. Discover now