Arte, Vinho e Perdão

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Duas e meia da manhã e Paris ainda estava no auge de sua beleza noturna, tudo parecia caótico demais, especialmente, naquela madrugada tão quente e com cheiro de passado. Em minhas mãos não havia mais espaço para pele, as diversas cores tomaram a minha derme e as digitais tinham uma coloração entre roxo e rosa, muito peculiar. Minha camisa, a única peça de roupa me vestindo, também estava toda manchada, assim como o chão e o tapete duro, basicamente, eu tinha muito trabalho a fazer para limpar a bagunça, mas não estava me importando. Continuei sentada na sacada, observando o movimento e a noite, para tentar acalmar aquelas lembranças teimosas na minha mente.

Em algum momento enquanto eu ajeitava o toca fitas e me equilibrava na grade, Seokjin apareceu três andares abaixo, seguindo para a entrada do prédio. Meu vizinho galã de lábios preciosos, visivelmente frustrado com alguma coisa, tinha uma aparência um tanto desgastada, apesar de sensual, os botões da camisa abertos, o terno jogado sobre o ombro, os cabelos jogados para trás, como se ele os tivesse puxado diversas vezes, os olhos soturnos e um tanto sombrios, o rosto corado, então percebi que ele estava um tanto bêbado. Seus olhos caíram sobre mim depois que ele olhou para o céu e soltou um suspiro, não foi proposital, eu só estava no caminho, ele acenou com um meio sorriso e eu enxerguei meu nome tomar forma em sua boca.

—Eu tenho vinho na geladeira, quer dividir? —Eu estava mesmo querendo arranjar uma desculpa para me livrar daquela garrafa, tomar seria melhor do que jogar fora.

—Eu não deveria beber mais nada essa noite. —Ele inclinou a cabeça e com as mãos me pediu para esperar, o vi entrar no prédio e desenhei em minha mente todo o trajeto dele pelas escadas até o nosso andar. —Mas, eu já disse que você fica irresistível com tanta tinta espalhada pelo corpo assim? —Abri a porta no momento em que ele apareceu no corredor.

—Já me disse duas vezes. —Eu sorri, dando espaço para ele entrar. —Essa cerveja toda foi pra comemorar ou afogar as mágoas? —Perguntei depois de sentir o cheiro forte vindo dele.

—E alguma coisa boa acontece com gente como a gente na madrugada? —Ele riu deixando o paletó em cima do meu balcão e olhando para a tela que eu havia acabado de pintar. —Terminou agora?

Balancei a cabeça, pegando a garrafa do vinho e dois copos, deixei sobre o tapete e sentei no chão, observando o corpo dele se inclinar sobre a tela e os olhos analisar tudo de cima a baixo, cada pincelada.

—O que achou?

—Tem muita coisa.

—Só tem o céu e o mar. —Eu protestei enchendo meu copo e o dele, ele veio se sentar ao meu lado.

—Eu quero dizer de sentimento. É uma lembrança ou uma metáfora, muito pessoal, se estivesse no meio de mil telas de outros artista eu ainda iria reconhecer que é seu, porque você está em cada parte dele.

—Eu fiz bem então.

—Mas não era o quadro que você precisava terminar pra aquela peça?

—Eu já terminei. Esse foi só um… Eu precisava colocar essa coisa pra fora.

—Esse vinho é muito bom. —Ele bebeu um pouco e me encarou. —Você devia estar prestes a explodir, se colocou tudo aquilo pra fora e ainda está assim…

—Assim como? —Eu inclinei minha cabeça e me virei para ele.

—Parece que foi atropelada pelo caminhão da nostalgia.

Eu ri e deixei meu corpo cair para o lado, deitando minha cabeça no sofá e bebendo do meu vinho. Ele estava certo.

—Eu estou cansada de você saber das coisas e eu ficar aqui, apenas imaginando o que houve com você.

Forgive YourselfOnde histórias criam vida. Descubra agora