Estando por mim mesmo

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As gotas caem da soleira do porta, tão leves e ainda assim não conseguem permanecer tão altas neste mundo. Céus, finalmente cheguei em casa, está chovendo lá fora uma garoa tão amigável, tão aconchegante. Fiz amizade com cada nuvem que passou por cima de mim e agora elas choram. Veio até mim com seus dedos úmidos e lavaram minha boca, arranharam minha garganta e tornou-se reserva em meus olhos.

Fico encarando o portão, permaneço na rua sendo limpa da pressa e tudo o que sinto é o petrichor nascendo e o carbono sendo lançado ao solo juntamente com o que sai dos meus pulmões, que agora também aproxima-se da terra com a queda de meus joelhos sobre o chão. Pássaros balançam as penas quando correm para seus ninhos procurando abrigo e sinto a ansiedade de suas penas caindo em minhas articulações, o tremor de seus ossos mexendo-se com as assas são poderosos trovões que rangem pelo peso dos sentimentos, das infiltrações e do frio subindo pela espinha.

Hoje as nuvens não querem dividir o céu com ninguém. Sinto que estou gripando e meu pulmão começa a ter dificuldade para se expandir dentro de mim, sinto que meu fôlego está me deixando para procurar um lugar mais quente e nem posso culpar o ar que foge de mim. Contudo, eu não quero entrar, por favor hoje não. Quero jogar a chave para o outro lado dos edifícios e deixar a porta emperrar com o meu peso e talvez eu não tenha um lar para voltar. Sinto meu corpo ficando mais e mais quente, meu coração tenta fazer samba para manter-se aquecido e meus músculos começam a buscar atenção para a falta de exercício físico. Eu embarco a dor e a queimação dela, deixando que meu corpo seja testado, fazendo dele um soldado contra minha própria mente. Cérebro, você que já me pôs em tantas situações por seus caprichos agora se submete aos da minha alma. Eu não sinto pena da carne que carrego e torno meu corpo meu servo.

Trovões correm e ouço a bagunça como uma dança ululante fazendo canções nos chãos do céu e sinto cada pisada sobre meu assombro noturno, as paredes das torres do edifício refletem elogios ao relâmpagos. O céu fica claro em uma tela adulta que é mais banal que a da televisão e parece mais nervosa que a lâmpada que pisca no banheiro e posso sentir seu peso ganhando densidade e massa para desmoronar no chão do asfalto. Cada gota se multiplica em meu ombro e as de dentro de mim querem com elas se encontrar.

Eu sussurro para cada relâmpago e me torno infiel para com o sol do fim de verão que não vê o impudor que visita a cidade, toda poluição que cai sobre mim me lava da minha perversidade para com os outros e me torna insolente para comigo mesmo. Esta casa não pode me proteger de todos os temores que os chuviscos trazem. Outono, inverno, verão, primavera e todas as outras quedas. E eu que nunca tive talento para conseguir criar algo, fiz este cantinho para todos as nuvens que passam em cima de nós para vir com mala preparada, que é para passar todas as estações.

Excessos E DevaneiosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora