Estação Azul

7

        Cheguei na faculdade mais cedo e fui direto para a sala da coordenação, realmente meu coordenador havia se esquecido de me mandar o email, o que deixava tudo mais estranho. Qualquer coisa que fosse preciso se comunicar era feito pelo email, mas não havia nada no meu. Comecei a me perguntar se Sarah não tinha brincado comigo e dito que ele queria falar comigo apenas para poder rir de mim depois. Isso não era muito dela, mas, na estranheza da situação, aquela era uma possibilidade.
        Caminhei pelos corredores praticamente vazios da faculdade pensativo e logo que pisei na recepção dos coordenadores levei um choque. Jessie estava sentada em uma das cadeiras, entretida com um livro. Tentei me recuperar e me voltei para a recepcionista, que teclava sem parar em seu computador, aparente nenhuma das duas havia percebido eu chegar.
        - Com licença… - chamei a recepcionista, com medo de estar atrapalhando algo - Sabe me dizer se o coordenador Javier está por aqui?
        - Está sim. - ela respondeu de forma gentil - Qual seu nome? 
        - John.
        - Vou avisá-lo que está o esperando. - disse voltando para a tela do computador.
        - Ok, obrigado.
        - John? - a voz veio da direção de Jessie e com toda certeza essa voz era dela, fingi que ainda não havia a visto e me virei para respondê-la.
        - Jessie! - simulei surpresa - O que está fazendo aqui? - perguntei indo me sentar em uma cadeira perto da dela, deveria estar fazendo isso? Não, mas lá estava eu novamente.
        - Vim resolver algumas coisas sobre quando eu entrar na faculdade. E você, o que faz tão cedo aqui? - ela me respondeu com um sorriso leve, como senti falta desse sorriso.
        - Pra ser sincero, eu também não sei. O coordenador disse que queria falar comigo, mas não sei o motivo.
        - Uh, alguém está encrencado. - ela disse brincando e riu.
        Não pude fazer nada a não ser rir junto, por que ela tinha que ser tão perfeita?
        - Acho que não tive a chance de dizer ontem - ela continuou -, mas cara, a comida que fez estava estonteante, sério, tava muito boa mesmo.
        - Nossa, agora você gastou, espera aí que vou buscar um dicionário pra saber o que quis dizer. - falei rindo, o elogio dela havia acertado em cheio meu coração.
        - É sério! - ela respondeu também rindo - Eu poderia comer sua comida pra sempre!
        Sim, “poderia”, no futuro de um passado que foi apagado dela. Um passado que eu apaguei. Ela “poderia” realmente comer minha comida todos os dias da vida dela, se eu não tivesse estragado tudo. Se eu tivesse escutado isso alguns meses atrás um sorriso apareceria no meu rosto e eu provavelmente a beijaria, e com toda minha sinceridade eu diria que seria um prazer cozinhar pra ela pra sempre, mas agora… agora essa frase é apenas uma lembrança de que eu estraguei toda a felicidade que eu poderia ter.
        - John? - a voz de Jessie me chamando me trouxe de volta para a realidade - Desculpa, eu disse alguma coisa que não foi legal? Se disse, me desculpa…
        - Não, não foi nada. - quanto tempo eu havia ficado perdido nos meus pensamentos? - Eu que me distraio fácil, foi mal.
        - Tudo bem… - ela deu um sorriso sem graça - às vezes eu falo demais também.
        - O problema não é você, sério!
        - John? - meu coordenador apareceu com um sorriso enorme no rosto - Me desculpe não ter entrado em contato com você por email, são tantas coisas que acabei deixando passar.
        - Sem problemas. - respondi me levantando - Boa sorte no que veio resolver. - disse me virando pra Jessie.
        - Pra você também. - ela respondeu com um sorriso gentil no rosto.
        Entrei na sala de Javier ainda sem entender o que eu estava fazendo ali, mas pelo menos agora eu sabia que não era Sarah me pregando uma peça. Ele se sentou na cadeira oposta à minha ainda com um sorriso no rosto e me encarou.
        - Já ouviu falar do programa UnieUni, John? - me perguntou, atento.
        - Já escutei algumas coisas, mas não sei exatamente como funciona. - na verdade a única coisa que eu sabia é que era um programa do governo que o nome significava “União entre Universidades”.
        - Basicamente, o UnieUni é um programa que busca o compartilhamento de experiências entre faculdades, possibilitando que o aluno conheça novos campus, tenha novas experiências com professores e alunos totalmente diferentes. Esse programa tem sido muito bem falado pelos alunos que participaram, é uma experiência e tanto. É como fazer um intercâmbio para algum lugar do país que você não conhece.
        - Entendi… - ele havia me chamado aqui pra falar de um programa que eu não tinha nada a ver?
        - E você foi um dos escolhidos para o programa, para ir para a Universidade de Heiwa. - ele disse ainda com o sorriso no rosto, aquilo de repente me pareceu muito irreal.
        - Quê? - a surpresa fugiu pela minha boca.
        - Você terá tempo para pensar, mas sugiro que aceite a proposta. Será de grande valia para sua bagagem educacional.
        - Como posso ter sido escolhido se nem me inscrevi para o programa?
        - Nem todas as vagas são preenchidas com inscrições, algumas são por indicações de vários professores. Ou seja, vários professores acharam você um aluno apto para a vaga.
        - Eu não sei… eu tenho meu emprego, minha família, não posso simplesmente me mudar agora.
        - Como eu disse, terá um tempo para pensar. O programa pode levar de dois meses a um ano, depende do tempo que quiser ficar lá. Vá pra casa, pense bem nisso e me dê sua resposta quando puder.
        - Tá bom… obrigado?!
        - Por nada, se precisar de alguma coisa pode me procurar.
        - Claro…
        Saí da sala de Javier ainda meio chocado e perdido, Jessie não estava mais do lado de fora e os corredores já estavam bem mais cheios agora. A proposta era tentadora, no ano anterior eu não havia conseguido ir para Heiwa com o clube de culinária porque estava internado e agora uma segunda chance havia me aparecido, mas eu havia entrado no emprego há pouco mais de um mês e quem me garantia que conseguiria outro tão rápido quando voltasse? Também não sabia como me sustentar lá nesse tempo, nenhum lugar me empregaria apenas por alguns meses. Um lado de mim me dizia pra simplesmente largar tudo e ir, outro, mais sensato, me dizia que eu não podia simplesmente jogar minhas responsabilidades pelas costas.
        - Johnny boy, sempre perdido nos próprios pensamentos. - a voz de Victor me trouxe de volta pra realidade, meu automatico havia me levado para a sala de aula e eu me encontrava em pé perto dele e Sarah.
        - E aí? - perguntei colocando minhas coisas em uma das mesas.
        - Conseguiu falar com o Javier?
        - Consegui.
        - E no que você se meteu? - Sarah perguntou, se divertindo com aquilo.
        - Achei que eu tinha feito alguma coisa, mas aparentemente alguns professores me indicaram pro UnieUni. - respondi sem acreditar muito naquilo ainda.
        - Sério? - Victor se animou e Sarah não ficou muito atrás - Pra onde você vai?
        - A vaga é pra Heiwa, mas eu não sei se vou.
        - Como assim? Por que não sabe se vai? - Sarah perguntou.
        - Eu consegui um emprego em um restaurante muito bom pra simplesmente jogar isso fora e depois ficar na incerteza de conseguir algo bom assim novamente.
        - Ah, entendi… bem, se você conseguisse conversar lá e explicar a situação, será que não te pegam de novo depois?
        - Acho difícil.
        - Se quiser ir pra Heiwa, acho que é uma boa pensar nessa possibilidade. - Victor fala, tentando apoiar a ideia.
        - É… vou pensar na ideia.
        Me entretive com minhas coisas enquanto os dois voltaram para o assunto que estavam falando anteriormente. Logo o professor chegou e a série de aulas começou, naquele dia não consegui focar totalmente em nenhuma, minha cabeça sempre fugia para o programa ou para Jessie, majoritariamente para Jessie. O pouco tempo que ela falou comigo havia me animado, mas mais uma vez as coisas acabaram estranhas, por que eu continuava tentando? Durante o intervalo fiquei conversando e escutando algumas histórias do Victor com a Sarah, aqueles dois eram um dos poucos que conseguiam tirar Jessie da minha cabeça por um tempo. 
        Logo que as aulas acabaram me despedi deles e fui para minha moto, havia combinado com meu pai de passar na casa dele, mas agora com a novidade do programa eu queria conversar tanto com ele quanto com a minha mãe sobre isso e, realmente, eu não estava nem um pouco a fim de ter a mesma conversa duas vezes. Liguei pra minha mãe e perguntei se tinha problema se eu chamasse meu pai pra ir em casa para conversarmos, ela se preocupou na hora, querendo saber do que se tratava, mas explicar por telefone seria apenas um trabalho a mais. Por fim, resolvemos que seria melhor conversar na casa do meu pai, já que Noah chegaria a qualquer momento e provavelmente iria implicar de ver Estevan em casa. Combinei o mesmo com meu pai e depois fui buscá-la.
        Quando cheguei em casa, minha mãe já esperava do lado de fora.
        - John, o que aconteceu? - ela veio preocupada.
        - Não é nada de mais, mãe, não precisa se preocupar. Eu só recebi uma notícia e queria discutir isso com você e com o pai. - respondi assim que tirei o capacete.
        - Como não quer que eu me preocupe se você também não diz o que está acontecendo?
        - Eu explico lá, se não vou ter que repetir tudo de novo depois.
        - Tá bom, então vamos logo.
        - E a Mia? - perguntei meio preocupado.
        - Está dormindo, o Spike vai ficar com ela.
        - Dormindo, cedo assim? - estranhei.
        - Pois é, milagres acontecem. Depois que conversei com ela, ela ficou assistindo tv, depois jantou e foi dormir. - respondeu subindo na moto.
        Mais uma vez eu dirigi até a casa de Estevan, as luzes estavam acesas e um cheiro bom vinha de dentro.
        - Desde quando ele cozinha? - perguntei mais pra mim mesmo enquanto ia em direção à porta.
        Bati e não demorou para alguém abrir, mas não era meu pai, era Maggie novamente.
        - Jonnie! Finalmente chegou alguém legal nessa casa, entra! - ela me deu um beijo e me colocou pra dentro de casa, depois se voltou pra minha mãe, seu rosto mudou para uma feição de surpresa - Alex? Meu Deus, mulher, e eu achava que não tinha como você ficar mais perfeita, você tá maravilhosa. - disse abraçando minha mãe.
        - Ah… obrigada, Mag, está exagerando um pouco, mas você também está muito bem. - ela disse sem jeito.
        - Exagerando? Modesta como sempre. Vem, o Estevan tá na cozinha. - ela chamou, nos conduzindo até o local - Eu fiz janta, espero que estejam com fome.
        Quando chegamos na cozinha meu pai estava colocando os pratos na mesa, ele nos cumprimentou e nos convidou para sentar.
        - Sirvam-se! - Maggie disse, animada.
        - Eu acabei de jantar… - minha mãe falou meio sem jeito.
        - Você vai rejeitar a minha comida? - Maggie fingiu, de forma exagerada, estar indignada.
        - Acho que não sou capaz. - minha mãe riu.
        - Eu sei que não, você sempre amou minha comida. - Mag riu junto - Bem, eu sei que o assunto é entre vocês, então estarei na sala. 
        - Não precisa, tia, pode ficar. - falei antes que ela saísse dali - Não é nada muito pessoal que você não possa escutar.
        - Tem certeza? Não quero atrapalhar.
        - Tenho, fica, come com a gente.
        - Ok, prometo que ficar quieta, nem vão perceber que estou aqui.
        - E isso é possível? - meu pai a provocou, o que lhe rendeu um tapa no braço.
        Depois de nos servirmos, minha mãe foi a primeira a falar, ansiosa.
        - Então, será que agora pode tirar essa agonia de mim e dizer sobre o que quer falar? - ela pediu quase em súplica.
        Tentei explicar como pude sobre o programa que eu havia sido indicado, falei  o que o coordenador havia me falado, o motivo de eu não saber se ia ou não e a ideia de Sarah.
        - É uma oportunidade interessante, tanto pra sua vida educacional quanto pessoal. - minha mãe disse depois de ouvir tudo atentamente - Acho que mesmo que tenha que deixar o emprego, vale a pena tentar. Se você quiser, é claro.
        - Eu não sei, mãe, ao mesmo tempo que eu quero ir, não sei se devo…
        - John, é uma experiência totalmente diferente, a Universidade de Heiwa está entre as melhores do país. Não importa o tempo que for esse programa, tenho certeza que terá bom proveito disso. E também… pode ser uma boa forma de deixar o passado ir embora e conhecer novas pessoas.
        - Será mesmo? - uma grande parte de mim gritava pra eu desistir daquilo e continuar dentro de casa mesmo.
        - Eu concordo com sua mãe. - meu pai falou de forma atenciosa - A Universidade de Heiwa é notória, não tem como passar por lá e não trazer algo de bom consigo. E é muito provável que a mudança de ambiente e de pessoas te ajude a passar por tudo que está passando.
        - Mas e o serviço? A rede do sr. Holdez é grande aqui, não dá pra simplesmente abandonar.
        - Você pode tentar o que a Sarah disse. - minha mãe tomou a palavra - E mesmo se não der certo, John, você está no início da faculdade, vai ter tempo e com certeza vai encontrar outro emprego, que também vai ser bom. Não se preocupa com isso agora.
        - Tá… mas e como vou me manter lá? Se eu for, não pretendo ficar muito tempo, não vou conseguir um emprego pra poucos meses.
        - Não se preocupe com isso, se preocupe com você e sua educação, o resto eu e sua mãe resolvemos. Se ela concordar… - meu pai ainda se sentia meio acuado com ela.
        Minha mãe o encarou durante alguns segundos e depois balançou a cabeça, afirmativamente.
        - Claro. - ela respondeu - Vê se você quer ir, isso é o que importa, o resto nós resolvemos.

***

        *Privado*
        Hilary: Me atualizaaaaaaaaa - 21:30.
        John: Foi mal a demora kkkkk foi acontecendo uma coisa atrás da outra e nem peguei o celular - 00:03.
        Hilary: Você nunca pega o celular kkkkk - 00:04.
        Hilary: Mas me conta tudo, começando pela Mia - 00:04.
        John: Ela continua brava comigo, minha mãe conversou com ela e hoje ela ficou em casa (?) - 00:04.
        Hilary: Não me lembro qual foi a última vez que me disse que ela ficou em casa - 00:04.
        John: Exatamente kkkk - 00:04.
        Hilary: Mas e sua mãe, como ela ta? - 00:04.
        John: Parece bem, sabe como ela é, tenta resolver tudo na calma - 00:04.
        Hilary: Então as coisas se resolveram bem rápido por aí kkkk - 00:04.
        Hilary: O que são essas coisas que tanto aconteceram que você nem olhou o celular? - 00:04.
        John: Ah, fui indicado praquele programa UnieUni, aí tava falando com meus pais sobre - 00:05.
        Hilary: SÉRIO??? PRA ONDE VOCÊ VAI?? - 00:05.
        John: Heiwa, mas não sei ainda se vou, to pensando - 00:05.
        Hilary: Eu no seu lugar já estava lá em Heiwa - 00:05.
        John: Sei que estava kkk - 00:05.
        Hilary: E as caminhadas? - 00:06.
        John: Acabei de chegar de uma - 00:06.
        Hilary: Serião? - 00:06.
        John: Serião - 00:06.
        Hilary: Que orgulho - 00:06.
        Hilary: E ajudou? - 00:06.
        John: Deu pra pensar bastante, principalmente sobre ir pra Heiwa - 00:06.
        John: Mas e você? Não me falou sobre como foi a viagem, se chegou bem… - 00:06.
        Hilary: Eu vim bem, sentei do lado de um carinha que meu pai eterno, que homem! - 00:06.
        John: Alguém se deu bem kkkkk falou com ele? - 00:06.
        Hilary: Lógico! Descobri que ele faz faculdade de música e já peguei o número dele - 00:07.
        John: To sentindo que ainda vou escutar muito dele - 00:07.
        Hilary: Pode ter certeza, ele me chamou pra uma festa no sábado e vou fazer de tudo pra ela render - 00:07.
        John: Tenho certeza que você vai fazer ela render kkkk - 00:07.
        Hilary: Ô se vou kkkk - 00:07.
        Hilary: Hey, vou indo dormir que amanhã acordo cedo e você também - 00:08.
        John: Também vou, dorme bem - 00:08.
        Hilary: Você também, até amanhã - 00:08.
        John: Até - 00:08.

o/\o

Não consegui encontrar nenhuma imagem pra capa, tô começando a achar que vou ter que começar a desenhar elas kkkkk

Um beijo e até a próxima ;)